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Caçadora da beleza

Austríaca Sophie Lillie, que descobre obras roubadas por nazistas e garante sua restituição aos donos originais, diz que sua ação é política

GRACILIANO ROCHA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Um dos pilares da cultura europeia, a Orquestra Filarmônica de Viena anunciou neste mês que vai devolver uma pintura do francês Paul Signac (1863-1935) que recebera como presente de um alto oficial nazista em 1940.

Avaliada em 500 mil euros (R$ 1,5 milhão), a tela "Port-en-Bessin" foi roubada em Estrasburgo em 1940.

A obra pertencia ao jornalista francês Marcel Koch (1904-1999), ligado à Resistência Francesa, e caiu nas mãos da Gestapo (polícia secreta do exército alemão) logo após a invasão da França pelas tropas de Hitler.

A restituição do quadro aos herdeiros de Koch --cujas identidades ainda estão sob sigilo-- é a mais recente vitória da historiadora de arte austríaca Sophie Lillie, 43, especialista na recuperação de obras roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

A Filarmônica começou a acumular tentativas e fracassos na identificação do proprietário original da obra desde 1998, quando a Áustria passou a ter leis que determinam a restituição de patrimônio --incluindo obras de arte-- aos judeus espoliados durante o regime nazista.

A entidade sabia da origem suspeita do quadro, mas não tinha nenhuma indicação de quem era o proprietário.

Somente no ano passado, Lillie entrou no caso, a pedido do presidente da Filarmônica de Viena. O ponto de partida foi uma carta escrita por um oficial da Gestapo chamado Roman Loos em que ele agradece à orquestra pela realização de três concertos para tropas germânicas estacionadas na França ocupada no verão de 1940.

TROFÉU DE GUERRA

A investigadora começou a rastrear os passos do oficial e a cruzar os dados com os registros de obras desaparecidas no período até chegar à conclusão: a carta falava de "Port-en-Bessin", o quadro roubado em Estrasburgo.

Não foi tão simples: a única menção à tela era uma descrição genérica, com o nome do pintor, em um catálogo de obras desaparecidas publicado em 1949.

"Loos, que era originalmente de Viena, deu esta pintura à orquestra como uma espécie de troféu de guerra. Neste caso, um grande desafio foi o fato de Marcel Koch ter morrido em 1999 sem deixar filhos --o que tornou bastante complicado achar os herdeiros", contou ela em entrevista à Folha.

Nascida em Viena em uma família judia, Lillie começou a se dedicar à recuperação de obras roubadas pelos nazistas em 1995, ano em que o governo austríaco entregou à comunidade judaica a coleção de arte que estava havia meio século trancada no mosteiro de Mauerbach.

A coleção Mauerbach era composta de retratos e paisagens do século 19, obras-primas da pintura, desenhos, moedas antigas, esculturas, tapeçaria e porcelanas.

As obras foram entregues à Federação das Comunidades Judaicas da Áustria, que, em 1996, leiloou a coleção em prol dos sobreviventes do Holocausto. Lillie atuou como ligação entre a comunidade judaica e a casa de leilões britânica Christie's na organização das vendas.

Depois, ela administrou o fundo resultante do leilão --que indenizou cerca de 4.500 vítimas do nazismo-- e organizou uma imensa base de dados sobre obras de arte pertencentes a judeus antes e depois da anexação da Áustria pela Alemanha nazista.

Este trabalho resultou em seu livro "Was Einmal War" ("Era uma Vez"), um catatau de 1.440 páginas onde são listados, em detalhes, documentos sobre 148 grandes coleções privadas.

"Por trás de cada restituição, há uma mensagem política muito forte, especialmente neste país, onde o legado do Holocausto continua a nos afetar. Estamos encarando a nossa história e as nossas responsabilidades", disse ela.

Lillie trabalha como pesquisadora independente desde 2001. No ano passado, um de seus trabalhos alcançou grande repercussão internacional.

A França devolveu sete obras de pintores italianos, holandeses e alemães que estavam em seus museus --quatro delas integravam o acervo do Louvre.

Seis quadros pertenciam a Richard Neumann, um judeu austríaco que teve de vendê-los por um valor irrisório para conseguir fugir de Viena.

Foi a historiadora austríaca que documentou o destino de Neumann e provou a origem dos quadros, devolvidas no ano passado ao neto dele. Foi a maior restituição de obras já realizada pelo Estado francês.


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