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Crítica - Ensaio

Livro é testemunho de existência intensa do crítico André Bazin

'O que É o Cinema?' resume o essencial das ideias do francês, que criou uma nova forma de produzir imagens

SEUS ARTIGOS CONSERVAM O MESMO FRESCOR, A ORIGINALIDADE E A FORÇA DE SUA PUBLICAÇÃO ORIGINAL

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

A pergunta "o que é o cinema?" constitui, por si, uma audácia e um desafio. Quem a formula dispõe-se a respondê-la, e não é qualquer um que pode se entregar a essa aventura. "Qualquer um", não. Raríssimos.

Talvez apenas um, André Bazin, tenha sido capaz de oferecer uma resposta não apenas eficaz e precisa, como ampla o bastante para influenciar a arte do cinema por mais de meio século.

Não será exagero dizer que nenhum teórico ou crítico foi tão influente quanto Bazin. Ele estava ao lado de Roberto Rossellini (1906-1977) ao formular o neorrealismo; animava os cineclubes de vanguarda do mesmo modo como levava filmes às prisões; fundou os "Cahiers du Cinéma", a mais importante revista dedicada a esta arte que já existiu, foi o mentor da geração da nouvelle vague, e foi uma espécie de pai espiritual de François Truffaut (1932-1984).

Bazin teve uma existência breve (1918-1958), porém intensa, da qual o melhor testemunho talvez sejam os artigos de "O que É o Cinema?", que a Cosac Naify em boa hora reedita (a primeira edição brasileira, com o título emasculado de "O Cinema", saiu pela Brasiliense em 1991 e há muito estava esgotada).

Originalmente, essa suma do pensamento do teórico francês saiu em quatro volumes. Nos anos 1970, optou-se por uma síntese, sob supervisão de Janine Bazin (viúva do autor) e François Truffaut.

O essencial das ideias que, no pós-guerra, redefiniram o cinema está lá: a recusa da montagem, a oposição ao "cinema puro", mudo, mas também a defesa do som e da cor (ou seja, do cinema como arte destinada a agregar tecnologia), entre outras.

Bazin se opôs ao melhor pensamento existente em seu tempo, para criar uma nova maneira de ver, produzir e se relacionar com a imagem.

A ideia central, no entanto, aquela que impulsionou o que Eric Rohmer (1920-2010) chamou de "revolução copernicana" do cinema, foi a de um realismo constitutivo da própria imagem fotográfica, como o autor a descreveu em "Ontologia da Imagem Fotográfica": "Pela primeira vez, uma imagem do mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervenção criadora do homem".

A essa propriedade realista, o cinema acrescentará a duração. O certo é que até então o cinema "como arte" definia-se por sua distância em relação à realidade.

A partir de Bazin, ao contrário, é seu aspecto mecânico e a consequente proximidade com o real que define sua essência. Não se trata, é claro, de condenar os filmes de ficção científica ou os efeitos especiais, e sim de tomar o real como referência.

Essa ordem de ideias possibilitou a Bazin seguir o neorrealismo, defender e ilustrar o trabalho de artistas como Orson Welles (1915-1985). Foi a base da nouvelle vague francesa e da "geração das escolas" americana.

Embora alguns aspectos de sua reflexão tenham sido contestados até mesmo por seus discípulos mais próximos (a hostilidade em relação à montagem, por exemplo, que Godard contestava já em seu primeiro artigo para os "Cahiers"), seus artigos conservam o mesmo frescor, a originalidade e a força de sua publicação original.

Pode-se dizer até: quanto mais passa o tempo, mais atual se torna o conjunto de ideias de "O que É o Cinema?".

Se apenas isso já justificaria a nova edição, seu organizador, Ismail Xavier, acrescentou seis providenciais artigos que não constavam da "edição definitiva".

Quatro deles aprofundam o trabalho com o neorrealismo. Outros, mais longos, debatem a montagem no documentário de guerra (sobre a série "Por que Combatemos") e a presença de personagens contemporâneos no cinema histórico da URSS ("O Mito de Stalin no Cinema Soviético").

Faltou, talvez, "William Wyler, o Jansenista da Mise-en-Scène", fundamental artigo sobre a direção cinematográfica. Não se pode ter tudo.


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