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Mônica Bergamo

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#VEMPRALOJA

Lojistas dos Jardins fazem curso para aprender como fisgar turistas brasileiros e estrangeiros para as compras; uma das dicas é jamais se envolver em discussão; "se alguém fala 'ai, essa Dilma', não comente", diz a consultora Cecilia Moura

Com a fachada timidamente decorada com bandeirinhas do Brasil, a Livraria da Vila da alameda Lorena, nos Jardins, abre as portas na fria manhã de segunda-feira passada para um encontro de 40 vendedores e gerentes de lojas do bairro, que concentra o mercado de luxo em SP. Eles estão ali para aprender a vender para turistas durante a Copa do Mundo.

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Regra número um, ensina a professora Cecilia Moura, 56, que é consultora e dá treinamentos de vendas: desistir de "analisar sinais exteriores de riqueza" dos potenciais clientes. "Dificilmente você vai ver na Oscar Freire um americano de Rolex, por causa dos alertas sobre violência que estão sendo dados no mundo todo."

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Enquanto o telão mostra a imagem de Fuleco, mascote do torneio, funcionários de marcas como Dumont, Alcaçuz, NK Store, Valisere, Hope, Adriana Degreas, Camila Klein, Havaianas e Água de Coco aprendem que, se não é possível identificar de cara o poder de compra, é preciso conhecer o gosto dos visitantes --serão mais de 594 mil em São Paulo, entre brasileiros e estrangeiros.

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No curso de quase quatro horas de duração, do qual o repórter Joelmir Tavares participa, a professora dispara dicas sobre cada nacionalidade: ingleses compram quando veem alguma vantagem, como preço ou qualidade, e não hesitam em cobrar seus direitos ("reclamam muito", segundo a consultora).

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Holandeses "têm dinheiro para gastar", belgas "são apressados" e coreanos "gostam de peças com logomarcas grandes, porque medem a prosperidade do outro pelas marcas que ele usa", diz ela, baseando-se em estudo feito por um banco.

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Para os turistas nacionais, evitar apontar que a pessoa é de fora de SP: "Todo mundo, quando viaja, quer aparentar que pertence àquele lugar". Diante da pergunta de quais países vão jogar na cidade, a maioria feminina do auditório se cala. Três rapazes se arriscam a responder, sem muita certeza. "Mulherada, tem que ler jornal, entrar no Google", lembra a especialista, bem-humorada.

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Assuntos polêmicos devem ser evitados. "Se alguém fala ai, essa Dilma', não comente. Disputas entre as seleções? Futebol é tudo bom, tudo maravilhoso'", diz Cecilia. Para ela, "o turista não tem nada a ver" com os problemas do país. "Nossa missão é receber bem. Antes da Copa, a saúde e a educação estavam perfeitas? Temos que transmitir ética, porque, com a corrupção, o Brasil está tão desacreditado lá fora..."

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Pelas ruas dos Jardins, mal se vê clima de Copa. Empresários deixaram de decorar suas lojas com medo de protestos e vandalismo, segundo Rosangela Lyra, presidente da Aloj (Associação de Lojistas dos Jardins), que promove o curso. "Queríamos pôr em alguma rua as bandeiras das 32 seleções, mas não conseguimos patrocínio."

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A entidade, que está entregando um guia comercial dos Jardins para hóspedes de 20 hotéis, orientou os lojistas a evocar o Mundial só "da porta para dentro".

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"O Rio tem belezas naturais. São Paulo é consumo", diz Cecilia, sobre a visão que os estrangeiros têm das duas cidades. Mostra no telão a ilustração caricata de um turista loiro, de chapéu, camisa florida, bermuda e chinelo. "Vamos encontrar alguns tipos desse aqui", prevê ela, que mora nos Jardins, costuma viajar para Orlando (EUA) para jogar golfe com o marido e dá cursos há 20 anos.

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Para criar empatia com quem entrar nas lojas, o conselho é estudar sobre os países para ter repertório no papo com os forasteiros. "Precisamos superar a barreira da língua. Aprender expressões nos idiomas, saber as cores de cada país e sempre sorrir." Também é desejável falar baixo e conter gestos.

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Sogra do jogador Kaká (que ficou fora da seleção), Rosangela Lyra pede licença e interrompe a fala da professora para dizer que "seria friendly" (amigável) se as lojas fixassem painéis com mensagens de boas-vindas e sorte às seleções nos idiomas dos países participantes. Outros termos em inglês apareceram no encontro. No início, Cecilia avisou que haveria "um breakzinho" (intervalo) e "um coffeezinho" (café).

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O esforço do dia é para mostrar que vale a pena "ser um personagem" quando se está vendendo e conseguir fechar negócio, seja na Copa ou em qualquer época. "Uruguai? Opa, vamo todo mundo mudar pra lá!", diz, fazendo gesto com os dedos como se estivesse fumando --o país regulamentou a venda e o uso da maconha. A turma de alunos cai na gargalhada com o exemplo, enquanto ela traga uma fumaça imaginária.

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A sedução, portanto, é a alma do negócio. "Até porque, e a Rosangela vai me matar por eu dizer isso, o mercado de luxo é supérfluo. Eu não preciso de uma bolsa Louis Vuitton, eu não preciso de uma calça Dior... Eu quero! É muito mais forte", diz a consultora.

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Aprender hábitos e costumes de outras culturas também é recomendável ("se você puser a mão na cabeça de uma menina judia, o pai dela vai querer te matar"). Não tocar no corpo do comprador, não virar as costas para ele nem mascar chicletes são outras orientações.

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E é bom se preparar para a objetividade dos homens, que devem ser maioria entre os clientes, segundo Cecilia: "Vão querer muitos presentes para as esposas. A mala da culpa vai ser grande".

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MANUAL DE CAÇA AO CONSUMIDOR FORASTEIRO

1. Aprender expressões nos idiomas

2. Saber as cores de cada país

3. Falar baixo

4. Conter gestos

5. Sempre sorrir

6. Não tocar no corpo do comprador

7. Não virar as costas

8. Não mascar chicletes


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