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Crítica - Romance

Precioso, texto próximo da poesia rompe com formatos

BEATRIZ RESENDE ESPECIAL PARA A FOLHA

"Caderno de um Ausente" vem sendo apresentado como o segundo romance do importante contista que é João Anzanello Carrascoza. Mais próximo da prosa poética, esse pequeno e precioso livro propõe a ruptura com formatos e a pesquisa de dicções.

O caderno é a escritura que um pai quer deixar para Beatriz, "o nome, que lhe demos, jamais deixará de ser a cicatriz primeira de teu destino", desde o começo Bia.

Encurtar o nome é preciso porque o que caracteriza a escrita de míope escolhida pelo o narrador é a opção pelo breve, pelo pequeno, pelo mínimo tempo, pela ninharia do instante que precisa ser intenso porque a vida é perda.

Falando à filha num uso expressivo do condicional, ao ensinar os caminhos da vida, prefere apontar as dúvidas ou encruzilhadas. Na estrada de Damasco importa menos a trajetória a ser seguida do que a possibilidade de escolhas, já que a escrita da vida é feita de intervalos, lacunas, rabiscos, emendas.

O livro reproduz esse escrever e reescrever que é nossa passagem pelo mundo entrecortando a escrita por marcas gráficas de apagamentos: "vida menos poesia igual vazio".

Educar a filha para o afeto é ensiná-la a nomear o mundo. No reino das palavras, as únicas palavras que valem para sempre são as que anunciam o adeus.

Entre a vinda da menina e o melancólico prenúncio da partida da mãe, o silêncio --mais uma vez na obra de Carrascoza --se avoluma, porque mostrar a Bia o mundo em que vai crescer é apresentar-lhe as palavras, os sons, as imagens no papel que como tela abriga rasuras, espaços em branco. Tudo breve, porque "a vida é um resumo".

O lirismo que reconstitui lembranças nessa espécie de memória do futuro não se derrama nunca porque é subitamente cortado por asperezas --espinhos e alfinetes-- na narrativa que revela seu "molde bruto"de "granito lírico".

O romance vai se constituindo numa verdadeira teoria do olhar e da palavra, "o invólucro das palavras pode ser mais doce que a sua gema", e poderia concluir como Dante inicia sua "Divina Comédia": " Não lhe ouves, Beatriz, o amargo pranto?".

A marca poética de Carrascoza, no entanto --e aí está a beleza de sua escrita--, é a contenção. Em vez do pranto fica a partilha silenciosa da ausência.


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