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Crítica - Romance

Linguagem é frágil para segurar trama de Míriam Leitão

'Tempos Extremos' trata de matéria relevante, mas apresenta inconsistências e fragilidade de escrita

LUÍS AUGUSTO FISCHER ESPECIAL PARA A FOLHA

A forma romance tem entre seus maiores méritos a capacidade de acolher a variedade da vida. Santos e canalhas, doutores e charlatães, gente que sabe falar bem e gente afásica, passado e presente, tudo cabe.

Uma família de elite em 2014 pode se reunir numa fazenda mineira, para celebrar os 88 anos da mãe e avó, revivendo conflitos políticos e psicológicos antigos --e eles podem compartilhar as páginas com uma família de escravos que, 150 anos antes, vivia momentos de intenso drama.

A família de elite está cindida, em nosso presente, porque o primogênito teve alguma participação no período mais duro do regime militar, enquanto uma irmã estava presa, sendo torturada, e o pai de sua futura filha era morto nos mesmos porões. Outra irmã enriqueceu, e o mais novo optou pelo caminho das artes, sem sucesso.

A família de escravos, lá por 1850, está cindida porque o filho quer conquistar a liberdade com luta, ao passo que sua irmã imagina haver saída mediante negociação com seus donos.

O romance de Míriam Leitão se estrutura entre essas duas experiências amargas da história brasileira. A mediar os tempos está a filha daquele casal militante, centro de amarração ético, histórico, literário do livro, que traz o mérito de uma boa engenharia narrativa, tramada sobre matéria relevante, mas carrega defeitos notáveis.

No varejo, há pequenas inconsistências a todo momento. Há excesso de didatismo do narrador, que redunda demais, fazendo o conjunto parecer a escrita de uma telenovela brasileira ou de filme secundário norte-americano.

Há fragilidades de escrita (a paragrafação parece aleatória, há momentos frágeis de discurso indireto livre), imprecisões de linguagem, forçadas de barra e falta de verossimilhança aqui e ali.

No atacado, o romance perde força em momentos-chave. Ao fundo, uma fragilidade está no fato de que a fazenda, palco de quase toda ação relevante, não é da família central, ao contrário do que tudo sugere --parecemos estar diante de uma tradição patriarcal ancestral, mas caímos na realidade de que a fazenda foi adquirida pela nova-rica irmã financista, poucos anos antes!

Além disso, mesmo nos melhores momentos do romance --há três de grande força histórica e boa sugestão dramática--, o leitor percebe que a linguagem não consegue dar boa conta da trama e, mais ainda, da psicologia dos personagens. Romance é uma forma aberta, mas tem suas exigências mínimas.

Se Hitchcock estava certo ao observar que excelentes filmes nascem de literatura secundária, talvez estejamos aqui em presença de um caso futuroso.


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