Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Luiz Felipe Pondé

Paz de boutique

Vejo o mundo capitalista como um parque temático de viciados em luxos, do iPhone a direitos humanos

Uma das razões que me levam a criticar tanto as esquerdas é sua vocação para a mentira e a idealização (uma forma romântica de mentira) no trato com o mundo. Nesse universo de "mentiras chiques" da esquerda, fica difícil discutir, porque logo vem alguém e fala de "nós contra eles" e reduz o debate a uma assembleia de sindicato.

E, por isso, a esquerda atrapalha qualquer tentativa de pensar nas contradições (expressão usada pelo sociólogo norte-americano Daniel Bell em seu primoroso livro "Cultural Contradictions of Capitalism") do mundo moderno chamado de "capitalista".

Vejo o mundo capitalista avançado como um parque temático de gente viciada em luxos, do iPhone aos direitos humanos. Dos movimentos sociais dos "sem isso ou sem aquilo" ao politicamente correto e sua canalhice institucional. O capitalismo não será destruído pelo que falta, mas pelo que sobra.

A modernidade foi um dia um ideal (leia, por exemplo, "Modernidade e Ambivalência", de Zygmunt Bauman, e verá exemplos desse ideal fracassado). Um de seus subprodutos foi a ideia de "tolerância ao outro". Qualquer "inteligentinha" rica acha bonito essa ideia em suas reuniões "culturais".

Um exemplo dessas "inteligentinhas" ricas são aquelas que gozaram com mesas, na Flip passada, em que mimados falaram das "jornadas de junho". Entre nós, existem muitas riquinhas e riquinhos, de todas as idades, que gostam de brincar de socialistas de butique.

Um dos ideais modernos era a de um mundo globalizado pautado por direitos humanos (coisa cara como bolsa Prada), capitalismo "consciente" (outra coisa que leva riquinhas ao orgasmo), separação entre religião e Estado, igualdade dos sexos, das religiões e da raças diante da lei, e, claro, o que sustenta toda essa festa, enriquecimento crescente.

Mesmo em Estados de bem-estar social, como os da Europa Ocidental, a riqueza econômica é que sustenta tudo. No período antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) na Europa e no mundo sob seu raio de influência, vivia-se uma época semelhante à nossa.

Acreditava-se nos avanços do Estado de direito, da ciência e da técnica, enfim, da gestão racional dos meios de sobrevivência e do acúmulo dos avanços civilizacionais.

A Europa tomou na cabeça aquela guerra que desenhou nosso mundo --a Segunda Grande Guerra foi a continuação da Primeira.

Eu, como o leitor bem sabe, não acho que o mundo mudou em muita coisa. Tenho uma visão da história que a envolve na pré-história, que nos espreita pela fresta da porta. Penso um pouco como o crítico literário norte-americano Edmund Wilson: a história é uma sucessão de civilizações que devoram uma a outra.

Isso não significa que seja bonito, mas, hoje em dia, quando o mau-caratismo tomou conta do pensamento público, pensar como Wilson, parece-me, é uma tentativa antes de tudo ética de continuar refletindo sobre o mundo sem se vender às modas dos bonzinhos de butique que desfilam por aí.

Recentemente a Suécia, aquele país que desfila a perfeição, acordou em pânico com a crise econômica e seu Estado de bem-estar falido soterrado sob imigrantes.

Nada contra imigrantes, mas a verdade é que as pessoas reclamam quando o luxo da vida se esvai, e o mundo moderno confunde suas manias de luxo com a condição do mundo como tal.

O Iraque, um país inventado por europeus, afunda-se em conflitos entre xiitas e sunitas, as facções muçulmanas que só param de se odiar para odiar Israel, esse enclave moderno no coração de uma região do mundo que nunca entrou na modernidade --e talvez passe por ela sem nunca se afundar nela. A ridícula paixão da esquerda pelo islã mostra mais uma vez seu caráter equivocado e sua futilidade.

A Rússia, lentamente, lembra ao mundo que a União Soviética foi uma das fantasias que o imperialismo russo usou pra continuar sendo o que sempre foi. China e Japão, que se odeiam por milênios, já começam a se estranhar.

Antes que os bonzinhos de butique gritem, não se trata de festejar nada disso, mas de despertar dos delírios de ricos acostumados a um mundo virtual que não existe.

ponde.folha@uol.com.br


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página