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Crítica - Drama

Jarmusch cria vampiros desajustados

Diretor cult reafirma estranhamentos que marcam sua personalidade em 'Amantes Eternos'

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

Com o tempo, Jim Jarmusch tornou-se uma espécie de "outsider" oficial do cinema americano, e não raro seus filmes parecem feitos para reforçar essa posição. Daí vem boa parte de seus encantos e também limitações.

Em "Amantes Eternos" estamos em Detroit, quadro perfeito para o desolado Adam, músico e vampiro com tendências suicidas. Seu único consolo parece vir de Eva, sua amante que chega de Tanger. Amante eterna, como esclarece o título, mas também uma companheira na fruição de bens culturais.

Sim, pois nessa parábola Adam e Eva alimentam-se mais de cultura do que de sangue. Ou antes, seu sangue vem de transações um tanto estranhas, mas que não envolvem pescoço de humanos.

E a cultura vem do passado. Assim, temos um par de vampiros deslocados no mundo, estranhos a ele, como a maior parte dos personagens de Jarmusch. Com isso, os problemas para esse casal eterno surgem com a chegada de Ava, irmã de Eva.

Irmã mais jovem, perfeitamente integrada à cultura contemporânea: narcisista, disposta a satisfazer seus desejos imediatos à custa não importa de quem ou de quê. Ava é, no imaginário proposto por Jarmusch, o oposto hedonista da segunda metade do século passado, de onde vêm os instrumentos musicais mais queridos de Adam.

É possível lembrar de momentos sublimes: o despertar de Adam e Eva, quando encontram uma cantora árabe, como se de repente o mundo se reencantasse; ou ainda das paisagens desoladas de Detroit. Sem falar de Tilda Swinton (Eva) e Mia Wasikowska (Ava).

É possível igualmente lembrar de momentos menos felizes, aqueles em que Jarmusch empenha sua mise-en-scène na reafirmação de estranhamentos que marcam sua personalidade desde que irrompeu com "Estranhos no Paraíso". Nessa espécie de lassidão eterna dormita a primeira metade do filme.

Entre limites e encantos, no final impõem-se estes últimos: o apelo à cultura como algo capaz de despertar e renovar valores pode ser menos eterno do que julgam nossos vampiros, mas não deixa de ter um aspecto regenerador: é busca, busca eterna.

Talvez, ao desprezar esse atributo, o homem (como os vampiros de Jarmusch) abdique um pouco de sua humanidade.


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