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Crítica - Comédia
'Sit Down Drama' passa uma rasteira na expectativa comum
GUSTAVO FIORATTI COLABORAÇÃO PARA A FOLHAO título infame do espetáculo "Sit Down Drama", com texto de Michelle Ferreira e direção de Eric Lenate, é, na verdade, um truque bem dado. O trocadilho faz referência ao gênero stand-up comedy e vende logo de cara a ideia de uma piada ciente de sua falta de graça.
Mas a brincadeira não passa de uma pertinente rasteira na expectativa comum. Com sofisticada ironia, a palavra "drama" se ajusta à história de um comediante em crise, sem estímulo para prosseguir na atividade que lhe dá sustento.
Em busca de uma boa piada, falha o tempo todo, até ser levado a um estado melancólico que lhe veda a possibilidade de graça. Em vez da piada, resta buscar um diagnóstico, ou a origem da completa falta de vontade.
Trata-se da mesma questão que Freud vasculhou em seu livro "O Mal-Estar na Civilização", sobre a coexistência conflituosa de libido e ordem.
É um tema que também caiu nas graças do chamado pós-rock. Com canções que localizam crises individuais em contextos políticos, a banda inglesa Radiohead, por exemplo, tornou-se referência para melancólicos na passagem para o século 21.
"Sit Down Drama" também se vale de um minucioso trabalho em vídeo, que corta e cola cenas de filmes, noticiários, programas de TV e imagens originais.
Em uma tela ao fundo da cena, esse caldeirão de referências vaga como uma memória sem sentido. As distorções recriam o mundo subjetivo do protagonista.
O fim da peça é um achado. O personagem (Danilo Grangheia), barbudo e desleixado, acende um cigarro no café de um parque, em um lugar para não fumantes.
Assume, assim, um ato simbólico: o prazer e a felicidade não estão somente na tragada. Fumar sob a lei antifumo pode ser um ato libertador. Talvez tão político quanto uma manifestação que fecha a avenida Paulista.