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Crítica - Memórias

Nabokov usa em autobiografia encantos de sua melhor ficção

No prazeroso 'Fala, Memória', escritor usa sofisticação que lhe deu fama

IRINEU FRANCO PERPETUO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Dentre os personagens criados por Vladimir Nabokov (1899-1977), um dos mais fascinantes é o próprio Nabokov. Ao tratar os fatos de sua vida com os sofisticados procedimentos literários que lhe renderam fama e fortuna, o autor de "Lolita" faz da autobiografia "Fala, Memória" leitura prazerosa.

Lenta e meticulosa, a elaboração da obra-prima levou nada menos do que três décadas, desde a aparição, em francês, de "Mademoiselle O" (que se tornaria o quinto capítulo), passando por "Prova Conclusiva" (primeira versão do livro, em 1951) até a publicação da versão atual, definitiva e revisada, em 1966.

No prefácio, Nabokov conta que pretendia dar à obra o título de "Fala, Mnemosine" (em alusão à deusa grega que personificava a memória), porém foi advertido de que "velhinhas não iriam querer pedir um livro cujo título não pudessem pronunciar".

Das três fases em que divide sua existência --o "arco tético", na Rússia (1899-1919), a "óbvia antítese" do exílio europeu (1919-1940) e a "nova tese" nos EUA--, Nabokov ocupa-se, aqui, das primeiras duas, tendo a mulher, Vera, como interlocutora do livro.

Em vez de usar uma estrutura linear, o autor opta por fazer de cada capítulo um eixo temático, adotando um grande arco narrativo cujo foco parece ser o despertar de seus sentidos e sensibilidades.

O desafio é reconstituir uma vida pessoal cujos personagens, depois de servirem como matéria-prima de sua literatura, consumiram-se no "mundo artificial" em que o autor "tão abruptamente" os colocara. Nessa operação, Nabokov se serve de preciosismo verbal, manipulação temporal e outros recursos responsáveis pelo encanto de sua melhor ficção.

Estão lá a obsessão pelo xadrez e pelas borboletas, o deleite de ser goleiro, a implicância com Freud e Tchaikovsky, a oposição ao regime soviético e a admiração pelo pai, expressa em um capítulo que evita o pieguismo sem deixar de ser apaixonado.

A edição da Alfaguara traz ainda, como como apêndice, o "Capítulo 16", inédito no Brasil --uma pseudorresenha na qual o escritor não tem pudores em se comparar favoravelmente a outro autor eslavo que adotou o inglês como idioma literário, o polonês Joseph Conrad (1857-1924), cujo estilo seria "uma coleção de gloriosos clichês".

Típica de Nabokov, a irrupção de arrogância e autoelogio é temperada por episódios saborosos de humor e autoironia.


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