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Crítica - Drama
'O Pequeno Fugitivo' exibe liberdade e frescor inexistentes no cinema atual
CÁSSIO STARLING CARLOS CRÍTICO DA FOLHAQue aparência deve ter um filme feito há mais de 60 anos? De velho, responderia o espectador refém da bolha de lançamentos.
Em preto e branco e com uma imagem em baixa definição, "O Pequeno Fugitivo", produção independente feita nos Estados Unidos em 1953, pode dar a impressão de um objeto arcaico e de interesse particular aos ratos de cinemateca.
As aventuras de um menino de sete anos sem amarras num espaço longe do alcance de seus familiares exibem, contudo, um frescor e uma liberdade apagados do cinema calculado e ultracontrolado que vemos hoje.
Os realizadores Morris Engel e Ray Ashley tinham experiência como fotojornalistas e daí trouxeram para o projeto a intenção de captar situações não encenadas.
Ruth Orkin, mulher de Morris Engel, havia trabalhado como montadora e também era fotógrafa.
Em busca de um resultado mais autêntico, o trio encomendou a um técnico amigo uma câmera portátil que, com uma lente teleobjetiva, permitiu registrar à distância as ações e reações de Joey.
Depois de ser enganado pelo irmão mais velho que toma conta dele, o pequeno fugitivo vaga sozinho e segue onde a curiosidade o leva.
Gasta seus trocados andando num carrossel, posa para um retrato e chega à praia, onde se diverte observando os adultos.
Sem estabelecer laços, Joey aprende a identificar obstáculos e a superá-los, seja o simples desafio de derrubar um alvo numa banca ou recolher garrafas para conseguir dinheiro e depois montar pôneis.
O crítico francês André Bazin, num entusiasmado texto de 1954, observou que "o filme é feito do espetáculo da criança em liberdade num paraíso de feira".
De fato, no modo como o filme acompanha a soltura de Joey interessa mais o comportamento infantil num universo sem imposições.
Como uma criança descobre o mundo livre da imposição dos adultos, em que a lei e a proibição parecem suspensos?
Como a fantasia orienta as relações que um garoto elabora com os adultos que surgem em seu rumo?
É essa dimensão libertária, que desaparece no universo adulto ou se torna crime para os que acreditam poder reencontrá-la, que emana de cada gesto de Joey, que o transforma numa versão moderna de Adão antes de qualquer pecado.