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Revista Serafina

Punk best-seller

Cantora, poeta e escritora, Patti Smith prepara segunda parte de sua biografia, termina um livro de ficção, relança um de poesia e faz série de shows em Paris

ADRIANA FERREIRA SILVA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Patti Smith está na fase mais produtiva de sua carreira. Nos últimos três anos, a artista norte-americana de 67 anos lançou um disco, compôs músicas para trilhas sonoras de blockbusters como "Noé" e "Jogos Vorazes", expôs fotografias e desenhos em museus e galerias e fez uma ponta como atriz na série de TV "Law & Order". Agora, finaliza um livro, planeja a continuação de sua aclamada autobiografia, "Só Garotos", e viaja o mundo fazendo shows e lendo poesias.

Tudo isso com o mesmo figurino que adotou no início da década de 1970, um visual andrógino com jeans, camiseta, coturno, paletó e chapéu. Não fossem os cabelos, completamente brancos, dava para dizer que não mudou quase nada.

São muitos os fãs de Patti Smith, e eles gostam dela por diversos motivos. Uns preferem sua versão cantora, compositora, poetisa, performer e "madrinha do punk". Foi nos anos 1970, ainda garota, quando se mudou de Nova Jersey para tentar a vida em Nova York, que Patti percebeu a força que tinham seus poemas.

Ela costumava recitá-los no clube underground CBGB, acompanhados pelo som das guitarras distorcidas de Lenny Kaye ""seu parceiro musical até hoje. Era a época em que grupos como Ramones, Talking Heads, Blondie e Velvet Underground tocavam nessa pequena casa no East Village nova-iorquino, que virou berço do punk e do new wave e foi fechada em 2006 (com um show de Patti).

Outros a conhecem como a eterna namorada e musa de Robert Mapplethorpe (1946-1989), polêmico e celebrado fotógrafo, conhecido por suas séries de imagens de sadomasoquismo, com quem viveu uma história de amor e inspiração artística em meio à efervescente cena cultural nova-iorquina dos anos 1960 e 1970, esbarrando em artistas como Andy Warhol, Allen Ginsberg e Jimi Hendrix.

Patti narrou essa história em sua biografia, lançada em 2010, que virou best-seller e ganhou o National Book Awards, um dos prêmios literários mais importantes dos Estados Unidos ""além de um novo público, que se sensibilizou por sua escrita poética e não a conhecia como cantora.

"Agora quero escrever um companheiro para Só Garotos'", diz ela à Folha, na Fundação Cartier, em Paris, onde faria uma série de apresentações. "Essa sequência será mais centrada em minhas relações com a música e com minha família."

O novo livro de memórias, no entanto, só terá lugar em sua agenda após ela terminar o que chama de seu "grande trabalho", um primeiro romance de ficção, que promete terminar e entregar à editora no próximo mês.

"Estava em um café, há alguns anos, quando pensei numa história de mistério e decidi escrever para ver no que ia dar", diz. "É um enredo difícil de explicar, uma série de pensamentos desencadeados em tempo real, sobre fatos que me ocorreram nos últimos anos." Com o título provisório de "M Train", a obra deve chegar às livrarias do mundo todo no segundo semestre de 2015.

No Brasil, tanto "M" quanto a segunda parte de suas memórias (ainda sem nome) têm os direitos comprados pela Cia. das Letras.

"Mas, atualmente, o que mais me deixa orgulhosa é a nova edição de um livro escrito em 1992 e que sairá pela primeira vez na França", diz Patti.

"Glaneurs de Rêves" (algo como apanhadores de sonhos) é uma pequena coleção de desenhos, polaroides, poemas e memórias, publicada originalmente nos Estados Unidos sob o título "Woolgathering" e que ainda não teve os direitos adquiridos no Brasil.

"Eu os escrevi em um período duro", diz. "Robert [Mapplethorpe] tinha morrido há pouco tempo. Meu pianista [Richard Sohl], de apenas 37 anos, também. Meu marido [o guitarrista Fred "Sonic" Smith] não estava bem. Me sentia sozinha, com dois filhos pequenos para criar. Precisava inventar um mundo alternativo para sobreviver", lembra.

"Criei essa reunião de prosas poéticas, num formato que considero muito francês. Falam sobre minha infância mas também sobre cafés, amores, Paris...."

A animação de Patti com a nova edição do livreto se deve ao fato de que, com a obra, que será lançada no próximo dia 9, ela passa a integrar o catálogo da centenária editora francesa Gallimard. "Em 1967 ou 1968, Robert e eu não tínhamos dinheiro para nada e decidimos matar o tempo numa livraria francesa, dessas que adoro", descreve Patti, eterna fã de Rimbaud que não fala nada do idioma.

"Lembro-me de pegar uma das belas obras da Gallimard e dizer: Robert, um dia lançarei um livro por essa editora'. Ele respondeu: Com certeza, Patti'", encena, assumindo a voz dele. "Isso foi há 47 anos. Quando vi a linda capa de Glaneurs de Rêves', fui às lágrimas. Tenho certeza de que, se Robert estivesse aqui, diria: Você conseguiu, mas demorou muito tempo, não?'", brinca.

A realização do sonho de garota é um dos motivos que trazem Patti a Paris. O outro é uma série de quatro performances que realizou de julho a setembro, na Fundação Cartier, como parte das comemorações dos 30 anos do centro de arte contemporânea mantido pela joalheria Cartier ""todas com ingressos esgotados. Cada uma delas foi inspirada na obra de outro artista.

PEQUENA MENINA AZUL

No último dia 4, sobre um tablado montado diante de "Grande Vale 6", quadro gigante feito pela norte-americana Joan Mitchell (1925-1992), Patti interpretou canções de seu repertório e de outros compositores, leu textos sobre a trajetória da pintora e recitou poemas criados para a ocasião.

"Estava com os nervos à flor da pele. Foi a primeira vez que eu cantei Little Girl Blue', famosa na voz de Nina Simone. Amo essa música desde a adolescência, mas nunca me senti capaz de interpretá-la. Não tinha voz para isso."

Patti também foi convocada para fazer o grande show de aniversário da Fundação, no dia 23 de outubro, em que divide o palco com o músico britânico John Cale. O reencontro prevê uma celebração à memória de Lou Reed (1942-2013).

Cale, co-fundador do Velvet Underground, junto com Lou Reed, conhece Patti desde a década de 70, quando frequentavam os mesmos inferninhos. O músico galês foi o produtor de seu disco de estreia, "Horses" (1975), que aparece entre os cem melhores álbuns de todos os tempos numa pesquisa da revista americana "Rolling Stone".

Nesse trabalho, surgem as primeiras homenagens, a amigos ou artistas que admira, característica que percorre toda a obra de Patti Smith. "Jim Morrison e Jimi Hendrix morreram na época em que eu compunha as letras de Horses'. Para mim, foi uma tragédia porque eles eram meus heróis. Fiz Break It Up' para Morrison, e Elegie' para Hendrix", recorda.

Em seu disco mais recente, "Banga", de 2012, dedica uma faixa à britânica Amy Winehouse ("This Is the Girl"), escrita quando a cantora morreu, em 2011. No mesmo ano, Patti perdeu a amiga atriz Maria Schneider (1952-2011), lembrada em "Maria".

Seu marido, Fred Smith (1949-1994), inspirou "Dancing Barefoot", do álbum "Wave" (1979), e seu primeiro grande hit, "Because the Night", escrito em parceria com Bruce Springsteen e lançado em "Easter" (1978).

O apego ao passado faz com que outras recordações se espalhem por sua discografia, o que lhe deu a fama de melancólica. "Os críticos dizem: Oh, suas músicas são tão tristes'. Eu discordo. Sou feliz e otimista. Vivi grandes perdas e tragédias, mas sou abençoada. Tenho filhos. Sou artista. E, aos 67 anos, as pessoas ainda se interessam pelo que faço."

Para encerrar o assunto, recorda que os mortos não são os únicos lembrados em sua obra. "Compus Nine' para comemorar o aniversário de meu amigo Johnny Depp, e Sêneca' celebra a notícia de que meu filho mais velho seria pai." O primogênito, Jackson Smith, 32, também músico, casou-se em 2009 com Meg White, baterista do extinto White Stripes. Patti também tem uma filha, Jesse, de 27 anos.

CAMINHOS TORTUOSOS

Durante a entrevista, ela realmente não parece melancólica. Empolga-se tanto lembrando de histórias do passado quanto prevendo projetos futuros. Mas diz que nem sempre foi assim. Ficou devastada com a morte precoce dos dois homens mais importantes de sua vida. Robert Mapplethorpe, ex-parceiro e melhor amigo, foi vítima de complicações decorrentes da Aids, em 1989, aos 42 anos. E o marido, Fred "Sonic" Smith, sofreu um ataque cardíaco fulminante aos 45 anos, em 1994.

Patti conheceu o guitarrista da lendária banda de rock MC5 em 1976 e, após o casamento, em 1980, ambos abandonaram o rock para ter uma vida "normal" em Detroit. A cantora estava no auge, com o sucesso de "Because the Night".

Nos 14 anos seguintes, Fred trabalhou como piloto de avião, entre outras atividades alternativas, e Patti escreveu, fotografou e cuidou da casa e dos filhos. O único disco do período é "Dream of Life" (1988), parceria do casal que contém o clássico "People Have the Power".

Em 1995, viúva e sem dinheiro, Patti voltou para Nova York. Com o apoio de amigos como Michael Stipe, então vocalista do R.E.M., e o poeta beatnik Allen Ginsberg, retornou aos palcos. Seus primeiros shows aconteceram no mesmo ano, abrindo uma miniturnê de Bob Dylan. Patti Smith nunca mais se casou. E também nunca mais saiu de cena.

Quando não está viajando, fica em sua casa, na praia de Rockaway, no distrito do Queens, para onde se mudou em 2012, mas que frequenta desde os anos 1970, quando passeava por ali com Robert Mapplethorpe.

Em seus espetáculos, ela transporta o público para a década de 1970, época em que a poetisa do punk envolvia a plateia com seus textos viscerais, para depois conduzi-los a uma catarse coletiva em meio às guitarras barulhentas de seus hits, como "Free Money".

Ao interpretar essas canções, garante que, mesmo após tanto tempo, consegue se sentir na pele da Patti de 20 e poucos anos.

"Só leio poemas e interpreto músicas que escrevi quando jovem se puder encontrar uma maneira enfática de demonstrar os sentimentos daquela garota. Isso ocorre, por exemplo, com We Three', de 1974, quando estava indecisa entre dois namorados. Além disso, há algumas canções, como Pissing in a River' [Fazendo xixi em um rio], que fazem mais sentido agora do que quando as criei."

Ativista desde garota, sua causa mais recente é a ecológica. No último mês, junto a um coletivo de artistas, participou de uma exposição no museu nova-iorquino MoMA PS1, para arrecadar fundos para reconstruir áreas de Rockaway devastadas pelo furacão Sandy em 2012.

Ao mesmo tempo punk e poetisa, artista cheia de devaneios e ideais e mulher pé no chão, Patti ainda pensa que esse engajamento pode transformar a realidade ao seu redor, mas entende que é um caminho tortuoso a ser percorrido.

"Quando era jovem e fazia parte do movimento rock'n'roll, eu acreditava que podia melhorar o mundo. Mas sempre chega uma nova geração e destrói tudo. Paramos a guerra do Vietnã e [o ex-presidente George W.] Bush começou a do Iraque", reclama.

"É possível mudar o mundo, e é muito difícil manter as mudanças, mas não sem muito trabalho. Por isso, não paro de trabalhar. Não posso parar nunca."


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