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Crítica - Teatro
Atriz aproxima do público trajetória de rainha
No papel de d. Maria 1ª, mãe de dom João 6º, Lu Grimaldi mantém instigante monólogo dirigido por Mika Lins
Ao começar a apresentação, no novo e bem equipado teatro Viradalata, em São Paulo, o que mais chama a atenção no monólogo "Palavra de Rainha" é o figurino-cenário. Um vestido escuro que toma quase todo o palco, subindo pelas laterais.
É nele que está vestida --ou presa-- d. Maria 1ª, personagem histórica que assinou o enforcamento de Tiradentes em 1792 e 15 anos depois veio com o filho d. João 6º para o Rio de Janeiro, onde morreu. Ela foi rainha durante quase quatro décadas, "louca" na metade final, como era vista pelos brasileiros.
Mais precisamente, como ensina a peça, ela tinha "doença melancólica". No palco, arrasta-se amarrada ao chão como a protagonista do filme "Melancolia". No caso, arrasta-se em pensamentos sobre os cinco filhos mortos, sobre d. João, Tiradentes, o marquês de Pombal.
Pergunta sobre seus súditos, incapaz de compreender, em meio à depressão: "Por que eles gostam de mim?".
Como bem expressa o figurino-cenário --e também a projeção de luz variada, como estados de espírito, no telão ao fundo-- a diretora Mika Lins e o autor Sérgio Roveri mesclam engenhosamente o que é mais individual e singular, da mãe e mulher, com a história e o Estado.
Lins conseguiu reunir ao longo do tempo uma companhia informal, como o cenógrafo e figurinista Cássio Brasil, que consegue integração rara da obra no palco.
E que alcança sua melhor representação em Lu Grimaldi, atriz que carrega a tarefa sempre difícil de dar vida a um monólogo, ainda que cheio de revelações históricas sobre um personagem inaugural do Brasil como este "Palavra de Rainha" --instigante no correr da apresentação de 75 minutos.
A atriz, que dirige o olhar por vezes aos próprios espectadores, com cumplicidade, evita dramatizar no mau sentido as tragédias pessoais-estatais da rainha, como a morte do primogênito e herdeiro, d. José. Acaba por aproximar a trajetória de vida da "louca" Maria do público, em especial das espectadoras.
No início do espetáculo, ela já fala do Rio de Janeiro, de onde rememora a própria existência, cercada de "negrinhas", as suas escravas, e saudosa de Portugal. As ondas lindas do vestido são do oceano Atlântico que atravessou, mas podem ser também das lágrimas melancólicas e do sangue que os médicos retiram para supostamente purgá-la da loucura.