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As 7 vidas de Ruy Castro

Heloisa Seixas cria 'quase romance' inspirado nas ocasiões em que o marido flertou com a morte

RAQUEL COZER COLUNISTA DA FOLHA

Ruy Castro, 66, compartilha com os vira-latas Fu Manchu e Yellow algo além do teto, no Leblon. Como os bichanos que habitam seu apartamento, o biógrafo e colunista da Folha é pródigo em vidas, a se julgar as seis vezes em que derrotou a morte.

Quem fez a contagem foi a escritora Heloisa Seixas, 62, mulher de Ruy. Num intervalo de três décadas, o jornalista enfrentou o alcoolismo, a dependência de cocaína, um câncer na garganta, um infarto, outro câncer, desta vez na próstata, e uma infecção no cérebro, causada por vírus.

Tudo depois de testemunhar, aos 11 anos, a lenta morte da irmã mais nova, Ana Maria, que sucumbiu a meses de hemorragias causadas por varizes no estômago.

Esse flerte duradouro com o bico do corvo --tal qual o cavaleiro que joga xadrez com a morte para dar uma enrolada no destino, no filme "O Sétimo Selo" (1956), de Ingmar Bergman-- inspirou Heloisa Seixas a escrever "O Oitavo Selo", romance recém-lançado pela Cosac Naify.

Se no anterior "O Lugar Escuro" (Objetiva, 2007) a escritora optou pelo formato de memórias para descrever sua relação com o Alzheimer da mãe, aqui ela se deu conta de que a ficção era um terreno mais confortável.

"Os livros se escrevem de formas diferentes. Senti imediatamente que seria uma ficção a partir de histórias reais, não sei se pelo fato de não ter convivido com todas", diz a autora, que acompanhou de perto "apenas" as quatro últimas quase mortes de Ruy.

A obra acabou se tornando um "quase romance", como informa o subtítulo, numa homenagem ao padrinho literário de Heloisa, Carlos Heitor Cony (autor de "Quase Memória"). Nele, a trama é intercalada por depoimentos de Ruy e Heloisa (em teoria reais, mas vai saber...).

A narrativa, a princípio centrada na mente do homem (nunca nominado), se transfere para a cabeça da mulher à medida que, na vida real, Heloisa se torna testemunha dos sustos que Ruy dá.

Para Ruy, o marido-personagem, a surpresa ficou guardada para o último episódio, que retrata as convulsões vividas por ele em 2012, em decorrência de uma encefalite viral --tão fortes que lhe causaram uma fratura no ombro.

"Li essa história com total sabor de ineditismo, porque não estava consciente de nada durante as convulsões. Toda aquela coisa dramática, horrorosa, era comigo, mas eu não estava lá", conta.

A narrativa cheia de força de Heloisa é também recheada do humor que o casal buscou nos momentos difíceis.

Por ocasião do segundo câncer do biógrafo, em 2008, por exemplo, Heloisa narra o momento em que os médicos desconfiaram de que a próstata poderia não ser o único foco de tumor no corpo dele.

Um exame com contraste havia apontado uma cintilação no osso do crânio, que poderia tanto ser outro tumor quanto resultado de uma gota de urina no cabelo de Ruy, enganando as máquinas.

Ao perceber que Heloisa, chocada com a possibilidade de um câncer no cérebro, não entendera a dúvida do médico, Ruy resumiu: "Ou é mijo ou é metástase". Era mijo.


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