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Biografia relaciona vida e obra de Raymond Chandler

Título relata tensões na história do criador do detetive Philip Marlowe

Escritor de romances policiais tem volumes reeditados no Brasil e livro protagonizado por seu célebre personagem

MARCO RODRIGO ALMEIDA DE SÃO PAULO

Raymond Chandler, como muitos outros grandes escritores de histórias policiais, lamentava nunca ter produzido um romance "sério".

Em 1959, quando o autor americano morreu, aos 70 anos, a ficção policial, tivesse culpa ou não, era quase sempre acusada de ser literatura de segunda (a situação, de certa forma, ainda persiste).

Para muitos críticos, o gênero não passava de um amontoado de cadáveres, mulheres fatais e tiros a esmo, sem qualquer indício de preocupação estilística.

Ironicamente, vários supostos romances de "alta literatura" do século 20 estão hoje acumulando pó nas bibliotecas, enquanto Chandler e sua principal criação, o detetive particular Philip Marlowe, fascinam gerações de leitores há mais de 70 anos.

No Brasil, ele volta agora às livrarias por três editoras. A Benvirá lança a biografia "Raymond Chandler - Uma Vida", de Tom Williams. A Alfaguara começa a reeditar a obra do autor, com novas traduções, a começar por "A Dama do Lago" (1943) e "O Longo Adeus" (1953).

A Rocco publica "A Loura de Olhos Negros", de Benjamin Black (pseudônimo de John Banville; leia crítica nesta página), que retoma Philip Marlowe em nova aventura.

A reputação de Chandler não parou de crescer desde que morreu. É hoje considerado por muitos o mais brilhante escritor policial e um dos responsáveis por mostrar que o gênero também poderia ser uma forma de arte.

TENSÕES

As páginas mais saborosas da biografia escrita por Tom Williams relacionam as tensões da vida de Chandler aos mistérios de seus livros.

Chandler teve um pai violento, de quem herdou o alcoolismo. Fantasiava a si mesmo como um lorde defensor de mulheres indefesas, mas tinha profundas dificuldades de relacionamento.

Provavelmente ainda era virgem aos 31 anos, quando se apaixonou por uma mulher 18 anos mais velha, com quem ficaria casado até a morte dela, uns 30 anos depois.

Após uma época de bonança nos anos 1920, Chandler foi demitido por embriaguez de um alto cargo de uma companhia de petróleo em 1931. A perspectiva não era boa, a crise econômica rolava solta nos EUA, e Chandler era uma quarentão sem salário.

Sem ter o que fazer, resolveu resgatar um sonho de juventude, ser escritor.

Chandler não tinha interesse especial por armas ou corpos boiando nos rios. Queria escrever "alta literatura", aquela que os críticos levavam a sério. Mas ele precisava de dinheiro com urgência e o mercado para histórias de detetive estava em alta.

Publicou o primeiro conto aos 45 anos. O primeiro romance veio aos 50, "O Sono Eterno" (1939). Tornou-se um marco do gênero e apresentou ao mundo o detetive particular Philip Marlowe.

BOM DE COPO

Marlowe, que protagonizou sete romances, era um misto de como Chandler era e de como gostaria de ser: um tipo corajoso, ríspido, mas de bom coração, solitário, com um pé atrás em relação às mulheres, bom de copo, último homem honesto em uma Los Angeles tomada pela corrupção.

"Chandler não julgava o enredo o mais importante de uma história. Era mais interessado na linguagem e nos personagens. Os crimes eram só um veículo para explorar essas duas coisas", diz Williams.

O escritor era mestre na descrição dos ambientes e personagens, na criação de diálogos e metáforas. Em poucas palavras dava conta de comportamentos complexos e os imprimia na memória do leitor com ritmo e humor.

No começo de "O Sono Eterno", Marlowe, narrador de todos os romances de Chandler, se descreve: "Estava elegante, limpo, barbeado e sóbrio, e não me importava quem percebesse isso".

Chandler foi um autor popular, teve seus romances e contos adaptados para cinema e rádio, conquistou fãs ilustres (o crítico Edmund Wilson, o poeta W. H. Auden). Uma carreira que agradaria a qualquer escritor.

Menos ao próprio Chandler. Nunca conseguiu abandonar Marlowe e as histórias policiais para migrar para a "literatura séria" com que tanto sonhava. Criou alguns dos melhores romances norte-americanos do século 20, mas julgava que nunca havia escrito algo bom o bastante.

"Chandler foi feliz escrevendo livros de detetive, mas não era essa a grande ambição que o movia. De toda forma, foi a aspiração de escrever algo literário e sua incapacidade de escapar de Philip Marlowe que o levou a testar os limites do gênero policial e a escrever romances extraordinários", avalia Williams.


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