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Crítica - Romance
Aventuras de septuagenário são desperdício de discursos
RODRIGO GURGEL ESPECIAL PARA A FOLHAAbeliano Tarquínio de Barros, professor aposentado de história da arte, é o protagonista de "Tango, Com Violino", do escritor Eduardo Alves da Costa.
Pronto a saltar de ônibus a ônibus em São Paulo ou participar de aventuras delirantes, Abeliano se mostra "uma toupeira bêbada a abrir uma rede de túneis absurdos [...], o que lhe possibilita adiar o mergulho no isolamento irremediável e definitivo".
De fato, o personagem vive em permanente fuga --de si mesmo, da solidão e da morte.
Nessa luta, ele se utiliza principalmente da ironia e do sarcasmo.
Há sordidez no septuagenário pronto a discursos mirabolantes, a enganar as pessoas e tratar seu amigo, Theobaldo, como um idiota.
Esse pícaro angustiado é especialista em fabular sobre si mesmo e seus próximos, destilando uma zombaria que revela pessimismo, desespero.
Sob o comando do narrador onisciente, que muitas vezes assume o pensamento do protagonista, as peripécias de Abeliano ganham caráter repetitivo.
Dessa maneira, o humor cáustico apenas reafirma, a cada página, a aflição de quem se debate num pântano de escárnio.
O próprio narrador assevera: "Eles riem porque tudo [...] é apenas um jogo de palavras, uma forma de passar o tempo".
E conclui, com evidente erro: "[...] essa é a tarefa dos filósofos, que giram ao redor de si mesmos, a moer o trigo das palavras".
Há tentativas de seriedade: fantasiado de cardeal em uma de suas viagens, a inverossímil coincidência de ter a seu lado um teólogo e ex-padre destrói, contudo, a cena.
Em outro momento, surge a oportunidade de fazer um sermão ao jovem que tenta roubar sua carteira.
Abeliano fala, no entanto, como se estivesse num confessionário e não no coletivo lotado, sujeito a interferências de todo tipo.
Um dos piores trechos é o diálogo com a jovem arquiteta, no capítulo 64.
Trata-se de um longo discurso artificial, falsamente erudito, e ainda por cima pontuado de expressões como "apetecer", "aprouver", "escudados".
O amigo Theobaldo é o único personagem lúcido. É dele a afirmação que aparece nas páginas finais: "Que tempo desperdiçado a construir castelos barrocos de frases, labirintos de espuma...".
É a avaliação correta dos discursos de Abeliano --e, portanto, do próprio romance.