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Crítica contos

Autor israelense arrisca jogar no lixo o que o faz particular

MARCELO PEN ESPECIAL PARA A FOLHA

"Isso não é uma história", protesta um personagem do conto de mesmo nome, presente na coletânea "De Repente, uma Batida na Porta", do escritor israelense Etgar Keret. "Não vai despejando a realidade sobre a gente assim, feito um caminhão de lixo."

Autor de contos, "graphic novels" e do filme "Meduzot", dirigido com sua mulher Shira Geffen e que ganhou a Caméra d'Or em Cannes em 2007, Keret, 47, foi considerado "a voz da próxima geração" por Salman Rushdie.

A geração anterior seria a dos também escritores israelenses David Grossman e Amós Oz, que o alter ego de Keret ironicamente nomeia no mesmo conto.

O narrador sugere que seus antecessores jamais sofreriam o constrangimento pelo qual ele passa, sendo coagido por dois sujeitos armados a contar uma história.

INSÓLITO

A descrição é realista, mas o nexo com o inexplicável ou o insólito, resvalando no vexatório, violento ou sujo, conduz a situação para o terreno do absurdo, que alguns críticos comparam com os experimentos de Kafka.

Prefiro pensar na categoria do "fait-divers", analisada por Roland Barthes (1915-1980) em 1964.

O crítico francês se refere a uma classe de informação inclassificável, que começa "onde o mundo deixa de ser nomeado, submetido a um catálogo conhecido (política, economia, guerras, espetáculos, ciências etc.)".

Primo da anedota, o "fait-divers" constitui uma espécie de informação total, uma estrutura fechada.

Exemplo: pescadores islandeses pescam uma vaca. O absurdo deriva da aproximação entre termos incongruentes.

Muitas das narrativas de Keret seguem esse caminho, como a do homem lançado em um mundo onde as mentiras ganham vida, a da mulher que descobre um amante oculto sob a pele do marido ou do empresário cuja vida afetiva e sexual parece resumir-se aos apelos de seu cão de estimação.

FALTA DE CONTEXTO

O aparente desregramento suscitado pelo "fait-divers" acena com um desígnio misterioso por trás da irregularidade da vida, o que também verificamos em Etgar Keret.

O problema está noutra característica, o fato de o "fait-divers" dispensar um contexto externo.

Com escassa referência à sociedade israelense, as histórias de Keret poderiam passar em qualquer metrópole cosmopolita e mundana. Ao almejar a universalidade, o autor arrisca jogar no lixo o que o torna particular.


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