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Crítica concerto

Pianista Keith Jarrett conduz público do complexo ao lírico

Sete peças na primeira parte, cinco na segunda. Duas horas de música, contando os quatro bis (o primeiro foi "Summertime")

SIDNEY MOLINA CRÍTICO DA FOLHA

Vestindo camisa vermelha larga, Keith Jarrett entrou no palco da Sala São Paulo. Viu o piano fechado e o banco descentralizado: tirou sarro, arrumou. Seu corpo magro e humor mudo lembram a Pantera Cor de Rosa do desenho animado.

Atacou um improviso atonal, complexo como nós e a cidade. O único guia era uma nota que sobrava larga, para além de sua respiração, que dava silhueta ao caos enquanto a linha do baixo se transformava.

Essa respiração pausada, o jeito de corpo -ele faz movimentos circulares, fica em pé ou recurvado- parecem querer afastar os condicionamentos, os clichês.

Jarrett disse à Folha não ter "tempo para pensar enquanto toca" e que faz questão de "não chegar perto do piano" em dias de concerto. Mas não seria possível fazer o que faz sem inteligência e técnica.

Dedos estão sempre colados no teclado. Timbres fazem inveja a pianistas acostumados a sonatas de Scriabin (1872-1915). Ritmos se superpõem e, no entanto, permanecem independentes.

Sua "fusion" não é colagem ou justaposição, mas a integração improvável entre camadas sonoras díspares. Os planos de equalização sintetizam o domínio do contraponto.

Às vezes, parecia ler uma longínqua partitura, que estaria sendo escrita em algum lugar. Ele improvisa na perigosa fenda entre os estilos, do blues ao pop.

Nem tudo foi paz: na volta do intervalo -e a despeito de todos os avisos para que a plateia não fotografasse a apresentação- ele sentiu um flash e saiu.

Mas voltou, fez um gesto engraçado e compôs uma espécie de caixinha de música, entre Oriente e Ocidente, tudo no extremo agudo.

A segunda parte foi mais lírica e melódica que a primeira, como se a liberdade total pudesse desaguar na desleitura dos "standards". Teve até um inesquecível "Samba de uma Nota Só", quase sem frisar "a nota só".

Sete peças na primeira parte, cinco na segunda. Duas horas de música, contando os quatro bis (o primeiro foi "Summertime"). Mas, outra vez, um flash. Saiu.

Alguém da produção apareceu e disse (gentilmente) em inglês: "Não precisamos de fotos, precisamos de música". Jarrett voltou e começou "Somewhere Over the Rainbow". Foi o momento de maior sintonia entre músico, música e nós outros.

KEITH JARRET

AVALIAÇÃO Ótimo


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