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Crítica romance

"Névoa" antecipa o vigor e o risco da dicção moderna

Livro metalinguístico do espanhol Unamuno, publicado em 1914, propõe jogo entre personagem, autor e leitor

Unamuno tornou-se conhecidopor ter afirmado que Dom Quixote é que seria o criador de Cervantes

NOEMI JAFFE ESPECIAL PARA A FOLHA

Após a leitura do romance "Névoa"- ou da "nivola" "Névoa", como quer o personagem da narrativa- é preciso, no mínimo, repensar a ideia de contemporaneidade.

Pois o fato é que, neste livro, publicado em 1914, o prólogo é escrito por um dos personagens; e o pós-prólogo é, na verdade, uma réplica do autor às colocações do personagem, refutando-as.

Já na narrativa, num lance decisivo para o protagonista, este vai até a residência do autor, o próprio Unamuno (1864-1936), então já renomado na Espanha, para pedir a ele que modifique seu destino, ou que, ao menos, o faça compreender melhor o porquê de sua desorientação.

O diálogo entre autor e personagem é uma das cenas memoráveis da literatura moderna e, se isso não fosse um descalabro temporal, também contemporânea.

O nome "nivola", mistura de névoa e novela e intraduzível em português, é mencionado ao longo de todo o romance para se referir a um texto que está sendo escrito por um dos personagens.

Trata-se de uma fusão de realidade, ficção, verdade e metalinguagem que, é claro, refere-se não só ao objeto da narrativa como a ela mesma.

Com esta confusão entre sonho e vigília, Miguel de Unamuno tornou-se conhecido, entre outras coisas, por ter afirmado que Dom Quixote é que seria o criador de Cervantes, assim como, teria sido a América a partir em busca de Colombo.

E é com esse argumento que o personagem de "Névoa" quer convencer seu autor a mantê-lo vivo, sob pena de que, se não o fizer, o autor poderá perder a posteridade.

Augusto, o protagonista, se apaixona por Eugenia, comprometida com outro rapaz. Após muitas idas e vindas, Augusto se dá conta de que não compreende as mulheres e tampouco o que são a verdade e a mentira.

"Não será a lógica também algo fortuito, algo de azar e acaso?" Misturando criador e criatura, personagem, autor e leitor, e obrigando, assim, também o leitor a participar ativamente do jogo infindável da narrativa, Unamuno antecipa e mantém, com seu "Névoa", o vigor e o risco da dicção moderna e contemporânea.

Contemporâneo significa "do mesmo tempo" e, ao que parece, a cronologia não tem muito a ver com isso.

NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins).

NÉVOA
AUTOR Miguel de Unamuno
EDITORA Estação Liberdade
TRADUÇÃO Fabiano Calixto
QUANTO R$ 41 (256 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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