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Crítica romance

Galera sucumbe à caricatura de romance de fôlego

"Barba Ensopada de Sangue" se perde em meio a descrições inúteis de tudo e desperdiça evidente talento de autor

Percebe-se uma exasperação crescente com o relato, que nada tem a ver com essa paisagem prenhe de violência

ALFREDO MONTE ESPECIAL PARA A FOLHA

Já no projeto anterior a "Barba Ensopada de Sangue", a graphic novel "Cachalote" (2010), em parceria com Rafael Coutinho, Daniel Galera parecia ter aumentado suas apostas como escritor.

Tratava-se de um complexo conjunto de tramas alternadas que, se não chegava a ser completamente bem-sucedido (antes o contrário), impunha respeito e mantinha seus admiradores na maior expectativa pelo novo e alentado romance.

Nele, um atleta e professor de natação (com uma personalidade peculiar, meio neutra e desapegada, e a complicação neurológica suplementar de não conseguir lembrar o rosto das pessoas), resolve instalar-se na estância balneária de Garopaba, após o suicídio do pai, porque este mencionara o mistério em torno da morte do avô ocorrida ali.

Há um nítido clima de hostilidade que volta e meia se torna ameaçador (em especial porque é muito parecido com o ancestral), enquanto seguimos seu dia a dia por quase um ano, sempre acompanhado pela cachorrinha que herdou do pai e será o pivô do clímax da história.

Nada faltava para que o ambicioso texto de mais de 400 páginas fosse um marco: talento narrativo, autoridade na linguagem (Galera sempre escreveu muito bem, e certas páginas do livro provam isso à exaustão), cosmovisão, ambiente, personagem carismático...
Embarca-se na leitura com entusiasmo porque todos os indicadores mostram que será uma experiência e tanto.

EXASPERAÇÃO

De repente, percebe-se uma exasperação crescente com o relato, que nada tem a ver com esse mundo em riste, essa paisagem natural e humana prenhe de violência e aspectos intoleráveis (evocando J.M. Coetzee) e sim porque cada personagem é descrita com minúcias inúteis, a aparência, o que veste, mesmo que depois desapareça sem deixar rastros na narrativa, assim como cada cenário, cada vale, cada morro.

Mas, principalmente, nos damos conta de que estamos lendo, a todo momento, afirmações como: "Compra uma cocada na banca da APAE, onde a renda é revertida para a instituição" (!?) ou "Carrega a mochila de acampamento com duas mudas de roupa, toalha, um sabonete, escova de dente" etc., "tudo dentro de sacolas plásticas" (!?).

WESTERN

Quando toda a ameaça pairando no ar parece se concretizar, justificando o título, a sensação (devido, talvez, ao cansaço) é de uma cena de "western spaghetti".

Galera sucumbe, enfim, a uma caricatura do romance de fôlego, e a agonia da narrativa lembra esses portentos formidáveis, esses cetáceos que encalham e morrem na praia, aqui e ali evocados no livro, desastre a que assistimos com fascínio e horror.

ALFREDO MONTE é doutor em teoria literária pela USP, professor e responsável pelo blog Monte de Leituras ( www.armonte.wordpress.com)

BARBA ENSOPADA DE SANGUE
AUTOR Daniel Galera
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,90 (424 págs.)
AVALIAÇÃO ruim


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