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Crítica jornalismo

Escritor revê trajetória em tom épico

Apesar de crítico à gestão idiossincrática da família Bloch, trabalho deixa de lado temas espinhosos

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

O império de Adolpho Bloch foi um colosso. Tinha rede de TV, rádios, revistas, parque industrial e quase 7.000 funcionários no seu auge, entre os anos 1980 e 1990. Sua telenovela "Pantanal" conseguiu quebrar a hegemonia da Globo no horário nobre.

Tudo se esboroou. Dívidas e erros de gestão afundaram o conglomerado. A saga dessa ascensão e queda ganha uma narrativa peculiar em "Memórias de um Sobrevivente", de Arnaldo Niskier.

No livro, estão histórias de bastidores da empresa, cartas, discursos e fragmentos de textos publicados na principal revista do grupo, a "Manchete".

Niskier, 77, trabalhou no grupo por 37 anos. Exerceu vários cargos de chefia e conviveu com o dono, Adolpho Bloch (1908-1995). Desse posto privilegiado de observação, ele recorda momentos em que o chefe aparecia como generoso, irado, otimista ou teimoso.
"Adolpho poderia ter saído de 'Guerra e Paz', o grande romance de Tolstói. Havia nele o sentimento épico da grandeza humana", diz.

Para o escritor, que é membro da Academia Brasileira de Letras, a derrocada do grupo é resultado da "sucessão letal de equívocos" decorrentes do investimento em TV feito na década de 1980 -"um sorvedouro de dinheiro e de preocupações".

Na sua avaliação, a empresa passou "a navegar às tontas, com um brinquedo caríssimo, que acabou sacrificando os até então bons resultados da mídia impressa. Os Bloch trocaram de rumo e bateram num pesado iceberg", afirma.

Niskier conta que, no final da vida, Bloch "assinava cheques já sem saber direito o que estava fazendo". Depois que ele morreu, "os credores mudaram de atitude": veio o naufrágio final.

A origem do grupo foi a indústria gráfica. O pai de Adolpho chegou a imprimir o dinheiro do governo provisório de Kerenski, na transição revolucionária na Rússia de 1917. Com a chegada dos bolchevistas ao poder, a família deixou o país.

IMPÉRIO

No Brasil, as bases do império foram sedimentadas pela revista "Manchete", que deixou de circular em 2000, após 48 anos. Como um pesquisador de arquivo, Niskier pinça reportagens e crônicas da publicação.

O mosaico passa por Getúlio Vargas, Brasília, bossa nova, futebol. E por textos saborosos de Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Carlos Lacerda, Joel Silveira.

Niskier conta que Bloch resistiu ao investimento em TV e responsabilizava o sobrinho pela "desgraça na vida dele".

Oscar, então vice-presidente do grupo, "tinha se empenhado muito pela concessão do canal, junto ao governo do general João Baptista Figueiredo, onde tinha alguns amigos", escreve.

Em "Os Irmãos Karamabloch" (2008), Arnaldo Bloch, um dos herdeiros, foi mais mordaz: "Estava na hora de o regime militar retribuir à 'Manchete' os serviços de propaganda prestados ao Brasil Grande", escreve sobre a estratégia de parte da família.

O endividamento não era visto como problema. Niskier cita um discurso do empresário de 1978, quando o império crescia: "Eu vivo no vermelho desde que nasci e é isso que me faz trabalhar e cumprir meus compromissos. Se eu estivesse no preto, não teria feito nada. Estou resolvendo todos os meus problemas com otimismo, porque acredito no Brasil Grande".

Mas, em pleno Plano Cruzado, quando as dívidas começaram a apertar o grupo, Bloch foi pedir ajuda ao então presidente José Sarney.

Queria um corte pela metade dos juros pagos ao Banco do Brasil. Diante da recusa, Niskier relata que o empresário saiu da sala e caiu em prantos, repetindo: "Nunca passei por uma humilhação tão grande!".

Apesar de crítico à gestão idiossincrática da família Bloch, o livro em algumas partes transpira uma atmosfera oficial, deixando de lado temas espinhosos. Afirma que o empresário não aguentava ver algum amigo seu espinafrado pelas edições do grupo.

Niskier nega que a empresa tenha recebido "empréstimos mirabolantes" para apoiar Juscelino Kubitscheck e o projeto de Brasília -cuja cobertura deu dimensão nacional à "Manchete". "Adolpho era admirador da ousadia, da coragem de JK e se identificava com ele", defende o autor.

Depois do golpe de 1964, o autor conta que Bloch soube das dificuldades que JK passava no exílio. "Adolpho mandou-me duas vezes como emissário a Paris e a Nova York, levando US$ 7.000 para o ex-presidente", lembra.

Niskier também revela casos que beiram o pastelão. Num deles, Bloch levou um soco de um operário a quem chamara de ladrão, por estar dormindo em horário de trabalho. "Eu estou errado, mas ladrão é o senhor", disse o funcionário.

O empresário não demitiu o agressor. "Ele tinha razão. Eu não devia ter chamado ele de ladrão."

MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE
AUTOR Arnaldo Niskier
EDITORA Nova Fronteira
QUANTO R$ 49,90 (312 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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