Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
"Sentimental" reflete busca por intensidade emotiva
Novo livro do carioca Eucanaã Ferraz reúne poemas que incorporam traços de outras linguagens e retratam cenas do cotidiano
De não ser um ano generoso para a poesia brasileira, 2012 não pode ser acusado.
A boa safra trouxe -entre tantos- livros de nomes experimentados como Antonio Cicero, Francisco Alvim, Angélica Freitas e Paulo Henriques Brito.
A esse rol se juntou recentemente "Sentimental", do carioca Eucanaã Ferraz, 52, reunião de 56 poemas que foram escritos ou burilados nos últimos quatro anos. Alguns desses, contou ele em entrevista à Folha, iniciados há dez, 20 anos.
"Não que o tempo importe. Um poema iniciado ou terminado em uma semana pode ser muito melhor do que o que levou uma década para ficar pronto", pondera.
Espalhados em cadernos, escritos a lápis ou caneta, os versos só vão para o computador quando o poeta os julga no ponto de serem maquinados, relidos, reescritos.
A feitura deles costuma se dar em solidão. Uma adequação, segundo o poeta, sem ressalvas entre ofício e sua personalidade.
"O que julgo ter me empurrado para a poesia foram a timidez e a preguiça de trabalhar coletivamente."
Isso desde cedo, quando na adolescência Ferraz mimetizava versos de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro (1888-1935). Desse exercício, de tantas leituras, do olhar apurado para o cotidiano e do ouvido para a linguagem, surgiu, então, o poeta formado.
CÓDIGOS E LIMITES
A escolha do título se adequou, segundo ele, ao tom dominante da obra, como aconteceu com "Cinemateca", de título autoexplicativo, lançado em 2008.
"Percebi uma liberdade de escrita e de uma intensidade emotiva que eu desejava destacar", explica.
Exemplos dessa sentimentalidade -livre de pieguice-não faltam no novo livro.
Estão em poemas como "Sob a Luz Feroz do Teu Rosto", em que o poeta descreve a impossibilidade de amar a um leão, ou em "Comparações Florísticas", em que flores e plantas permeiam o caminho do personagem.
Nesses e no restante, está a busca, segundo conta Ferraz, por libertar a poesia da linguagem.
"O poema deve nascer da grande ambição de escapar dos códigos, leis, limites e sentidos", diz.
Se deve ser ambição também da poesia atingir o grande público, Ferraz tem lá suas dúvidas.
"A poesia é o que é. O teatro, a música e mesmo a arquitetura puderam se converter em espetáculo, entretenimento para além da qualidade estética. Como a poesia isso não ocorreu."
FORMA E LINGUAGEM
Se não se agigantou como seus pares das artes, nada impede, no entanto, que a poesia incorpore traços dessas outras linguagens.
"Sentimental" mantém uma marca da obra de Ferraz: poemas que traduzem em versos cenas, pequenos enredos, personagens do cotidiano, leves, por vezes reflexivos, como se inventariasse o dia a dia.
"Gosto que o poema dê a ver, que tenha algo de fotografia, do cinema."
Assim ele justifica os filmetes engendrados nas suas narrativas poéticas, também repletas de referências a outros poetas, como Carlos Drummond de Andrade (1902-87) e Ferreira Gullar.