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Crítica / Drama

"No" retoma com originalidade assunto gasto

Premiado em Cannes e na Mostra de SP, longa do chileno Pablo Larraín reencena início do fim da ditadura Pinochet

DO CRÍTICO DA FOLHA

ESSA TRANSIÇÃO PARA A REAL POLÍTICA ARRANCA O FILME DO UNIVERSO DAS FICÇÕES QUE INGENUAMENTE CREEM ELUCIDAR O PASSADO POR MEIO DA DENÚNCIA DE INJUSTIÇAS

Ditaduras da América Latina, torturas, desaparecidos políticos e resgates da memória de suas vítimas tornaram-se temas tão recorrentes em filmes brasileiros, argentinos e chilenos recentes que é difícil evitar a impressão de assunto gasto, apesar de respeitável.

"No", dirigido pelo chileno Pablo Larraín, ao contrário, mostra o quanto essa questão só se esgota quando tratada como um conteúdo valoroso por si ou como acerto de contas.

O longa, vencedor da Quinzena dos Realizadores do último Festival de Cannes, do prêmio de melhor filme na escolha do público da Mostra de Cinema de São Paulo e semifinalista nas indicações de filme estrangeiro ao próximo Oscar, reencena o episódio que marcou o início do fim da ditadura de Augusto Pinochet.

Depois de 15 anos no poder, desde o golpe que derrubou o presidente socialista Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, o general Pinochet convocou em 1988 um plebiscito para obter, via dispositivo democrático, mais oito anos no posto de chefe de Estado.

O "sim" e o "não" disputaram espaço na TV, confrontando duas opções políticas. Mais importante, a campanha pelo "não" pôde aproveitar, pela primeira vez, as brechas da censura para expor a face negativa da ditadura, o avesso do progresso econômico percebido como vantajoso pelos partidários de Pinochet, a fatia da sociedade beneficiada pelo regime.

"No" refaz cada momento-chave dessa situação, apresenta os interesses em jogo e, como deixa claro no título, toma partido, não segue os passos da suposta neutralidade das ficções "baseadas em fatos reais".

RECURSOS

A escolha de Gael García Bernal, ator capaz de provocar na plateia respostas sempre positivas, que variam do "simpático" ao "lindo", é peça fundamental da conquista de posições.

Outro recurso valioso para a eficiência emocional de "No" é a sugestão de uma imagem de época com o uso do U-matic -o suporte em vídeo no qual eram feitas as reportagens de televisão.

Tais astúcias, no entanto, poderiam culminar em uma boa peça de propaganda, uma representação pedagógica para os mais jovens dos tempos sombrios de outrora.

Focar o relato quase o tempo todo em torno de René Saavedra, o publicitário interpretado por Bernal, insere um subtexto irônico e leva o filme a ultrapassar os limites das crenças partidárias.

Como publicitário, Saavedra aborda o "não" como um produto, organiza a campanha seguindo as fórmulas de persuasão da propaganda e, para o horror dos puristas, demonstra como, desde sempre, a democracia funciona com base em discursos que tornam legítimos seus processos.

Essa transição para a real política arranca o filme do universo das ficções que ingenuamente creem elucidar o passado por meio da denúncia de injustiças e distingue o trabalho de Larraín como um dos mais inteligentes do cinema político contemporâneo.


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