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Crítica / Romance

Autor irlandês alterna com astúcia narrativas paralelas

Relatos de paciente e psiquiatra se revezam em "Os Escritos Secretos"

LUIZ BRAS ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma desagradável onda de frio e umidade atravessa de ponta a ponta "Os Escritos Secretos", sexto romance do irlandês Sebastian Barry, lançado aqui pela Bertrand.

Essa onda vem de longe, do passado nebuloso de uma pobre coitada de quase cem anos, internada há décadas num hospital psiquiátrico.

Chama-se Roseanne McNulty essa senhora açoitada pelo destino. Quase ninguém lhe dá atenção. Nem mesmo seu psiquiatra. Sua onda de medo só atinge o velho doutor Grene por acaso.

Como o hospital em breve será fechado e demolido, doutor Grene precisa reavaliar todos os pacientes -talvez alguns deles possam retornar ao convívio social. É nesse momento que o velho psiquiatra é atingido com violência pela realidade de Rose.

Apesar dos elogios que sua prosa vem recebendo da imprensa, Sebastian Barry não é um ficcionista tão habilidoso no plano microscópico, do parágrafo e da página.

Até mesmo as cenas mais marcantes de seu premiado romance -"Os Escritos Secretos" venceu em 2008 o Costa Book Awards e foi finalista do Man Booker Prize- são estilisticamente impuras. As imagens mais surpreendentes chegam cravejadas de trivialidades.

É no plano macroscópico, da sucessão de capítulos e da estrutura romanesca, que o autor se sai bem.

Doutor Grene mantém um caderno de anotações sobre Rose. O psiquiatra, contudo, não sabe que sua paciente também está registrando suas próprias impressões sobre o passado e o sanatório. Essas duas narrativas paralelas configuram o livro.

Rose escreve sobre as violências sofridas no primeiro meio século de existência, principalmente nos anos 1920 e 1930. Os conflitos políticos e religiosos numa Irlanda em convulsão devastaram-na.

Para construir os fatos da biografia de Rose, o romancista partiu de rumores que circulavam em sua família, sobre a mulher de um tio-avô, internada num sanatório.

Barry soube alternar com astúcia o testemunho de Rose e o do doutor Grene, entrelaçando o passado do psiquiatra e a trama esgarçada da paciente enigmática.

Se o relato de Rose é nefasto, ela mesma não é nada taciturna. Há otimismo nos registros feitos pela personagem quase centenária com surtos de senilidade. Barry acertou ao forçar a antinomia entre o passado trágico e a índole serena de sua heroína.


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