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Com história de sobrevivência, longa foge do sentimentalismo
INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHAComo quase sempre que a figura infantil é dominante, "Indomável Sonhadora" tende a comover o espectador. Mas é aí também que busca sua originalidade. Não há lágrimas a correr ou muitos momentos a lamentar: trata-se de uma história de sobrevivência.
Sendo também um filme independente, há umas tantas chagas sociais a ocupar a vida da pequena Hushpuppy.
O pai alcoólatra é a mais evidente, mas há ainda a ausência da mãe e o lugar onde vivem, o Bathtub, a banheira, uma pobre, deslocada e resistente comunidade sulista.
O pai de Hushpussy, Wink, é talvez o personagem mais interessante dessa saga, embora um tanto previsível: aquele sujeito fora dos padrões, vinculado tanto à natureza como a um modo de vida que se poderia chamar de primitivo (miserável é outra designação possível).
Ele ensina a filha a viver e a resistir às adversidades, que são muitas, e a proteger o Bathtub das investidas da sociedade organizada (que quer dar um fim naquela comunidade).
Ambígua figura, Wink é um alcoólatra (como todos os homens que vivem nos casebres próximos) capaz de dar belos conselhos à filha e depois botar tudo por água abaixo. Isso quando a própria natureza não leva tudo água abaixo.
ÁGUA COM AÇÚCAR
Talvez o objetivo da distribuidora brasileira, ao dar esse nome um pouco água com açúcar ao filme (em contraste com o original: algo como "Bestas do Sul Selvagem"), fosse mesmo enfatizar a presença infantil com o uso da palavra "sonhadora".
O fato é que Hushpussy não tem nada de sonhadora ou contemplativa: é voltada a um ou dois objetivos concretos (reencontrar a mãe, sobreviver), e nisso coloca toda sua força, temperando a incerta sabedoria transmitida pelo pai com o bom senso pessoal para enfrentar a adversidade.
Há um tanto de crise, um tanto de miséria, um quê de ignorância em tudo isso: trata-se de um filme da crise, se se quiser. E da perseverança como modo de enfrentamento.
Essa perseverança é o que se estampa no rosto infantil de Hushpussy, junto com a observação atenta, curiosa e um tanto indefesa do mundo. Esse rosto em busca de soluções, enfim, é a imagem central que domina o filme.
O rosto da menina é, no mais, a paisagem mais definida, mais nítida no trabalho do estreante Benh Zeitlin, de interesse, no mais, um tanto desigual, onde o que tem de melhor vem da secura do tom, do abandono desse "fake realismo" do cinema independente americano.
Os prêmios que vem recebendo a jovem Quvenzhané Wallis parecem evocar uma nova Shirley Temple.
Ela aparece muito bem no filme e cria essa ideia mista de doçura e dureza que ajuda na força do filme. Mas tanta atenção a alguém tão jovem cria expectativas que raramente se cumprem; com frequência só serve para criar monstros. Que importa? O mundo dos espetáculos os adora.