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Crítica conto
Barnes oscila entre a ironia só competente e a real densidade
"Pulso", coletânea de histórias do autor inglês, traz duas partes bem desiguais
É um problema, para um crítico, fazer objeções a um autor muito admirado. E ainda mais ser obrigado a usar um adjetivo que, de tão utilizado, acabou por perder grande parte de seu efeito: "desigual".
Mas sendo a obra em questão verdadeiramente desigual, não há escapatória. "Pulso", do escritor inglês Julian Barnes, é tão desigual que o livro parece ter sido artificialmente dividido em duas partes, talvez para justificar a dimensão do desnível.
Na primeira parte, há uma série de contos que constituem uma série: "Na Casa de Phill e Joanna 1", seguido de 2, 3 e 4, cada vez com um subtítulo diferente.
É certamente esse o eixo dessa primeira parte, que tematiza a burguesia inglesa e suas questões entre sérias, ridículas e patéticas.
Os contos intitulados "Na Casa de Phill e Joanna" são, na verdade, uma sequência de diálogos entre dois casais, um inglês e um americano, em épocas diferentes do ano, sempre retomando parte da conversa anterior.
Tudo é extremamente verossímil, com assuntos polêmicos da moda -tabagismo, chegar à meia-idade, adoção do euro na Inglaterra, imigrantes orientais-, agilíssimo, recheado de tiradas irônicas a mais não poder e sempre precedido de breve contextualização narrativa.
Ou seja: trata-se de um roteiro altamente competente para um seriado sobre a burguesia intelectualizada inglesa. Mas não mais do que isso -mesmo que isso não seja pouco, afinal.
Os outros contos dessa primeira parte, de certa forma, orbitam em torno de Phill e Joanna e mostram relacionamentos amorosos sempre frustrados, a solidão de ser um escritor quase famoso, a dependência inglesa do hábito da jardinagem e das caminhadas.
ARREBATADORES
Se fosse possível sintetizar: cenas de ridículo e solidão simultâneos. Mas é na segunda parte do livro que reaparece o Julian Barnes menos televisivo: contos densos, estranhos, sutilmente arrebatadores, porque cutucam as entranhas sem nunca apelar para o dramático.
Em "O Retratista", por exemplo, retorna-se para algum tempo remoto -século 15, 16?- em que um retratista mudo e miserável caminha pelos vilarejos pintando pessoas pseudo-importantes em busca de algum dinheiro.
Trata-se de um drama moral, que lembra em muito a carga épica de Tolstói, com o comportamento justiceiro desse retratista exemplar.
Seguem-se dois contos que se passam nos séculos 18 e 19, até chegar ao conto que dá título ao livro, "Pulso", em que a iminência de uma morte põe em xeque a história de uma família.
"Quanto maior o problema menos se tem o que falar. Porque só se tem o próprio fato."
Aqui, Barnes define seu talento, que é o de nos presentear com a "coisidade" das coisas. Mas o livro continua sendo "desigual".
NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "A Verdadeira História do Alfabeto" (Companhia das Letras).
PULSO
AUTOR Julian Barnes
EDITORA Rocco
TRADUÇÃO Christina Baum
QUANTO R$ 32,50 (240 págs.)
AVALIAÇÃO bom