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Crítica romance

Delírios, ambiguidade e bizarrices marcam histórias de chileno

Dois livros de José Donoso, "O Lugar sem Limites" e "O Obsceno Pássaro da Noite", ganham tradução no Brasil

ALCIR PÉCORA ESPECIAL PARA A FOLHA

Celebrados como peças importantes do "boom latino-americano", dois romances do escritor chileno José Donoso (1924 -1996) ganham traduções brasileiras: "O Lugar sem Limites" (1966) e "O Obsceno Pássaro da Noite" (1970).

O enredo do primeiro romance se passa em um prostíbulo decadente às margens de uma antiga estação de trem, arruinada justamente pelo desvio gerado pela construção de uma rodovia.

A personagem principal é Manuela, um travesti de 60 anos, cujos antigos dias de glória surgem como devaneios em meio à miséria presente.

A situação é partilhada com as prostitutas desencantadas, a jovem cafetina que insiste em chamá-lo de pai (porque talvez o fosse), a proteção ambígua de um figurão e a violência de um caminhoneiro seduzido por sua dança arrebatada e grotesca.

Formalmente, o que mais chama a atenção é o emprego do discurso indireto livre e as bruscas mudanças de ponto de vista, que alternam primeira e terceira pessoas, por vezes num mesmo parágrafo.

O efeito imediato é a subjetivação e ambiguidade da narrativa dos acontecimentos.

A mesma alternância e ambiguidade se dão em "O Obsceno Pássaro da Noite", mas de forma bem mais radical.

O que era devaneio pontual é agora sucessão de delírios. Acontecimentos, personagens, lugares e tempos tornam-se vestígios de duplos, simetrias, identidades provisórias que se precipitam sobre o narrado, confundindo-o, tornando-o suspeito e cheio de fantasmas.

JOGO DE ALUSÕES

A própria história é bem mais estranha que a do romance anterior: o seu protagonista é um homem aparentemente simplório, que se apresenta como surdo-mudo e trabalha como faz-tudo de um convento que acolhe velhas pobres e órfãs.

No entanto, quando uma das meninas engravida, o mudo fantasia recorrentemente sobre o tempo em que era secretário letrado de um homem belo e poderoso, cujo filho nascera desgraçadamente deformado.

Para impedi-lo de crescer com a consciência de sua disformia, o pai fizera com que o seu herdeiro fosse isolado numa fazenda prevista para ser habitada exclusivamente por seres não apenas feios, mas monstruosos como ele.

Além disso, todos deviam ser educados e inteligentíssimos, de modo que o menino crescesse com o sentimento de normalidade e com a exigência de refinamento.

Surge um curioso dandismo de monstros, um freak show perverso e pernóstico, cuja originalidade de concepção é evidente. No entanto, qualquer coisa falha na efetuação da obra, que a impede de ser realmente grande.

O desfile de bizarrices, as simetrias exóticas acabam por cansar ou relaxar, o que, no caso, dá no mesmo.

É como se um elemento arbitrário se afirmasse na contramão do jogo de alusões e revelasse que as suas regras misteriosas, que desejaríamos descobrir, eram, em parte, somente automatismo e incontinência.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp).

O OBSCENO PÁSSARO DA NOITE
AUTOR José Donoso
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Heloisa Jahn
QUANTO R$ 49,90 (488 págs.)
AVALIAÇÃO bom

O LUGAR SEM LIMITES
EDITORA Cosac Naify
TRADUÇÃO Heloisa Jahn
QUANTO R$ 29,90 (160 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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