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Imaginação
POEMAS, POESIA E TRADUÇÃO
Dois poemas
O bordel e o vistante de Afonso Henriques Neto
MAIS UMA BALADA
En ce bordeau ou tenons nostre estat.
François Villon
o cancro não mente, semente
imperdoável, quanto há de ser notável
dileto, seleto esqueleto violáceo,
olho fígado cu da tempestade
o cancro não se faz pela metade,
ilha sobre ilha, armadilha de flores,
rebrilhar do sol sobre bouba sem boutade,
neste bordel onde trepamos à vontade.
a guerra não sente, demente
olhar o que há na TV, paz, passeata, matinê
de gritos brancos sob treva oca, a cama
em que imagens podres babam sem alarde
sementeira de bombas, asco que tanto arde
quanto, destarte, planeta se desfaz em dores,
cólica sem arte, fermento que já vem tarde,
neste bordel onde trepamos à vontade.
o cósmico silente, áurea lente
abrir-se d'olho cego abstratamente,
nem queira vir de verso que em reverso
sonharás perverso dom do diluir cidade,
pois quanto senti nem me lembro: invento
o vento sem tempo, flutuar odores
no vago, vaso vazio da emporcalhada verdade,
neste bordel onde trepamos à vontade.
envoi
senhor, dos males que tanto temo
livrai-me, turvo tumor tudo quanto late
no planeta torvo em pústulas do demo,
bordel onde trepamos dessarte.
VISITA
Bateram à porta,
bateram, esmurraram
o tempo irremediável.
Talvez dentro da casa
ardesse ausência
punho de sombra
batendo, batendo.
Se fosse possível ver no escuro
uma cólica de ouro
um contorcer-se de crepúsculo
um arrepio de fumaça
e máscara vazia
recamada em prata baça.
Se fosse possível arrancar
os verbos dos mortos.
As luzes tremem desprezo
vaga-lumes em avesso.
(E o inútil esmurrando,
estuprando o inconsolável).
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SOBRE O TEXTO Os poemas "Mais Uma Balada" e "Visita" farão parte do volume, inédito, "A Outra Morte de Alberto Caeiro". Henriques Neto publicou seu primeiro texto no diário "Correio Braziliense", de Brasília, em 1965, e desde então já lançou 11 livros de poesia. O mineiro foi um dos expoentes da poesia marginal dos anos 70 e mais tarde se aproximou do surrealismo, em textos marcadamente imagéticos. O poeta integra uma família de escritores. Alphonsus de Guimaraens Filho, poeta morto em 2008 aos 90 anos, era seu pai. Um de seus avôs era o simbolista Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), que, por sua vez, era sobrinho de Bernardo Guimarães (1825-84), autor de "A Escrava Isaura".