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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Tardes de Paz

Cidade do México, 1983

JOÃO ALMINO

Quando se comemora o centenário de nascimento de Octavio Paz, penso no privilégio de tê-lo encontrado várias vezes entre 1982 e 1985. Fui apresentado a ele pelo escritor colombiano Álvaro Mutis, que comentou com Paz meu trabalho com Claude Lefort. Eu havia terminado meu doutorado em filosofia em Paris, orientado por Lefort, e, como diplomata, chefiava o setor cultural da Embaixada do Brasil no México.

Era maio de 1982, e Paz revia ou reescrevia ensaios que viriam a ser reunidos em seu livro "Tiempo Nublado". "Em geral recebo os jovens às quartas-feiras, no final da tarde", me disse, afável. Nunca soube se era certo ou não, pois quando o visitava nunca ali encontrei outros jovens, mas passei a telefonar-lhe às vezes no final das tardes das quartas para perguntar se poderia fazer uma rápida visita.

Em poucos minutos, a pé, eu chegava ao apartamento do poeta. Ele morava no Paseo de la Reforma, 369, apartamento 104, e eu trabalhava no número 455 da mesma avenida. Sentávamos num banco entre estantes de sua biblioteca, tomávamos um café e conversávamos sobre os filósofos do grupo Socialismo ou Barbárie, em especial sobre Lefort e Cornelius Castoriadis, e sobre os temas da democracia, do totalitarismo e da revolução.

Ele tinha um pensamento antitotalitário e nutria uma simpatia maior pela revolta do que pela revolução. Preocupavam-no de maneira especial os rumos tomados pela Revolução Islâmica no Irã e a evolução da crise centro-americana (o processo negociador do chamado Grupo de Contadora começaria em poucos meses, no início de 1983).

Também tratamos da poesia no Brasil, cuja grande referência para ele era o concretismo e suas inspirações em Pound e nos ideogramas chineses. Na época mantinha uma correspondência com Haroldo de Campos sobre a tradução do poema "Blanco", que veio a ser mais tarde publicada com o título de "Transblanco". Embora tivesse uma cultura quase ilimitada --quando de seus 70 anos, dialogava com especialistas dos mais diversos campos numa série televisiva demonstrando conhecimentos superiores aos de seus interlocutores, o que levava Álvaro Mutis a designar a série, em tom de brincadeira e em alusão ao romance de Vargas Llosa, de "Conversaciones con la Catedral"--, seus conhecimentos do Brasil eram limitados. Talvez por isso tenha apreciado tanto o convite, intermediado por Celso Lafer, para uma visita ao país.

De nosso diálogo, quando de seu regresso, impressionou-me que não demonstrasse entusiasmo pelo barroco brasileiro, talvez sem perceber a elegância das fachadas de suas igrejas ou por achá-lo mais pobre que o hispano-americano.

Eu escrevia meu primeiro romance, que teve um capítulo divulgado em primeira mão na revista que ele dirigia, "Vuelta", publicação para a qual também escrevi uma breve introdução a Claude Lefort, numa época em que ainda não havia traduções do filósofo para o espanhol.

Num dos encontros com Paz, lhe contei meus planos de eventualmente trocar a diplomacia pela carreira universitária, já que eu apreciava naquela época a minha experiência como professor visitante na Unam (Universidad Nacional Autónoma de México).

Paz foi enfático em me desaconselhar a abandonar a diplomacia. Ele renunciara ao cargo de embaixador na Índia em protesto contra o massacre de estudantes na praça de Tlatelolco, em 1968, mas não se arrependia dos anos no serviço exterior. Ao contrário, acreditava que, sobretudo para um escritor, a carreira abria horizontes e permitia encontros frutíferos.

Quando "Tiempo Nublado" saiu, em setembro de 1983, levei um exemplar a ele, para que me dedicasse. Tenho praticamente todos os livros de Paz, mas guardo com carinho especial aquela primeira edição, com a dedicatória que me fez em sua biblioteca, por me recordar dessas conversas.


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