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Imaginação

PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Dois contos

LYDIA DAVIS TRADUÇÃO FRANCESCA ANGIOLILLO

O cunhado

Ele era tão quieto, tão pequeno e tão magro que era quase como se não existisse. O cunhado. Cunhado de quem, não se sabia. Nem de onde havia vindo ou quando iria embora.Era impossível saber onde ele dormia, embora eles tentassem achar uma depressão no sofá ou algum sinal de bagunça entre as toalhas. Ele não deixava nenhum cheiro por onde passava. Ele não sangrava, ele não chorava, ele não suava. Ele era seco. Mesmo sua urina disparava do seu pênis para dentro da privada quase antes de ter saído de dentro dele, como uma bala de uma arma.Eles praticamente não o viam: se eles entravam num cômodo, ele desaparecia como uma sombra, deslizando pelo batente, escorregando por sobre a soleira. Um suspiro foi o único som que jamais o ouviram emitir, e ainda assim eles não conseguiram ter certeza se não havia sido uma ligeira brisa raspando nas pedrinhas lá de fora.Ele não podia pagar nada a eles. Ele deixava dinheiro toda semana, mas assim que eles entravam na sala, lerdos e barulhentos como eram, o dinheiro se transformava numa bruma verde e prateada na bandeja da avó deles e, quando eles estendiam a mão, já não estava lá. Mas ele não dava praticamente nenhuma despesa. Eles não conseguiam nem perceber se ele comia, porque o que ele tomava para si era tão pouco que nada representava para eles, que eram grandes comilões. Ele saía dum canto qualquer de noite e vagava pela cozinha, com uma navalha afiada na mão branca e delicada, raspando lâminas de carne, de nozes, de pão, até que seu prato, fino como papel, lhe parecesse pesado. Ele enchia sua xícara de leite, mas sua xícara era tão diminuta que nela cabiam no máximo um gole ou dois.Ele comia sem fazer ruído ou sujeira; nunca nada caía de sua boca. Ele limpava os lábios sem deixar nem uma marca onde eles haviam tocado o guardanapo. Seu prato era imaculado, não ficava uma migalha no seu jogo americano, não sobrava uma gota de leite na sua xícara.Ele poderia ter ficado ali por anos, se não tivesse acontecido de um inverno ser duro demais para ele. Ele não suportou o frio e começou a se dissipar. Por muito tempo eles não tiveram certeza de que ele continuava na casa. Não havia mesmo meio de saber. Mas no começo da primavera eles limparam o quarto de hóspedes onde, muito provavelmente, ele tinha dormido e onde, a essa altura, ele tinha se tornado algo assim como um vapor. Eles o sacudiram do colchão, o varreram do chão, o esfregaram da vidraça e nunca souberam o que haviam feito.

A mãe

A menina escreveu uma história. "Mas quão melhor seria se você escrevesse um romance", disse a mãe. A menina construiu uma casa de bonecas. "Mas quão melhor seria se fosse uma casa de verdade", disse a mãe. A menina fez um travesseirinho para o pai. "Mas quão mais útil seria uma colcha", disse a mãe. A menina cavou um pequeno buraco no jardim. "Mas quão melhor seria se você cavasse um buraco grande", disse a mãe. A menina cavou um buraco grande e entrou nele para dormir. "Mas quão melhor seria se você dormisse para sempre", disse a mãe.


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