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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Uns negronis com Gore Vidal

Ravello, 2002

WASHINGTON OLIVETTO

ENTRE OS DIAS 28 de junho e 5 de julho de 2002, estive em Ravello, no sul da Itália, convidado pelo sociólogo Domenico De Masi para dar uma palestra no seminário de verão que ele realizava naquela cidade, em conjunto com a Universidade La Sapienza, de Roma. Tema do seminário: "A Desorientação" --nas organizações, na economia, na estética, na cultura, na política.

O convite do meu amigo nos propiciou, a mim e a Patrícia, minha mulher, dias inesquecíveis.

Ficamos hospedados no magnífico hotel Palazzo Sasso, numa suíte com vista para o golfo de Salerno. Comemos o melhor da comida amalfitana, incluindo quantidades industriais da especialidade da região: o espaguete ao vôngole. Bebemos magníficos vinhos italianos e fui homenageado com um jantar ao ar livre na famosa Villa Eva, com direito a queima de fogos no final. Como se tudo isso não bastasse o local escolhido para a minha palestra foi a igreja de Santa Maria a Gradillo, um lugar belíssimo e com uma acústica literalmente divina.

Tudo maravilhoso, tudo espetacular, mas o melhor ainda estava a caminho: no domingo, dia 30, o Brasil jogaria a final do Mundial de 2002 contra a Alemanha, e Domenico e sua mulher, Susi, resolveram reunir alguns amigos para assistir ao jogo juntos e torcer para o Brasil --naquele tempo, essa prática dava resultado e eu até tinha levado algumas camisetas da seleção para dar de presente.

Entre os amigos convidados por Domenico, estavam o simpaticíssimo prefeito de Ravello, Secondo Amalfitano, e o mais célebre habitante da cidade: o norte-americano Gore Vidal (1905-2012), considerado por muitos o melhor ensaísta do século 20.

Não preciso dizer que, fanzaço que eu era do genial escritor, virei rapidinho seu amigo de infância.

Naquele dia e nos que se seguiram, bebemos vários negronis juntos (ele muitos mais do que eu), fomos convidados a conhecer sua casa, onde vivia com seu companheiro, Howard Austen, e que ficava pertinho da Villa Cimbrone, e conversamos por horas e horas.

Eu me dediquei, em particular e por um bom tempo, a massagear seu mundialmente conhecido ego, comentando seus clássicos, como o romance "A Cidade e o Pilar" (1948), falando sobre seu pseudônimo Edgar Box --com o qual assinou romances policiais--, sobre seus filmes e trabalhos para a televisão, a exemplo da minissérie "Lincoln", e sobre duas peças de teatro, "The Best Man" e "Visit to a Small Planet", que foram sucessos da Broadway e depois adaptadas para o cinema.

Desses papos com Gore Vidal, recordo particularmente duas de muitas observações irônicas e bem-humoradas.

A primeira foi quando ele me disse: "Você, que é da América do Sul, me responda uma coisa: o Uruguai existe mesmo ou é uma invenção dos sul-americanos pra dizer que por lá também existe uma Suíça?".

E a outra foi quando ele me perguntou se as traduções dos livros escritos originalmente em inglês eram boas no Brasil.

Respondi que sim, e exemplifiquei comentando que eu havia acabado de ler um livro de Gay Talese muito bem traduzido.

Com a cara mais "blasé" do mundo, Gore Vidal comentou: "Seu exemplo não vale. Gay Talese é muito fácil de traduzir".


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