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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

O All Star de Cássia (e o meu)

Rio de Janeiro, 1999

NANDO REIS

AO Contrário Do que muitos pensam, nunca escrevi uma música especialmente para a Cássia Eller. Salvo a terceira estrofe de "O Meu Mundo Ficaria Completo (com Você)", música incluída no primeiro disco dela que produzi, todas as músicas que ela cantou já haviam sido compostas antes de ela escolher gravá-las.

No entanto há uma música que ficou marcada como a canção que retrata a nossa relação: "All Star". Fiz essa música sob o forte impacto do estreitamento de nossa amizade, durante o período que antecedeu ao convite que ela me fez para que trabalhássemos juntos.

Gravei essa música no meu disco "Para Quando o Arco-íris Encontrar o Pote de Ouro"(2000), mas ela se tornou mais conhecida na interpretação da Cássia no disco póstumo "10 de Dezembro". Gravamos arranjos de cordas sobre um registro de um show de voz e violão, quando ela passou a incluir essa música no repertório. A sua versão é arrebatadora!

Em maio de 1998, fui para o Rio Janeiro para a gravação do álbum que iria suceder o "Acústico" dos Titãs. Eu estava com um lote grande de composições e sabia que elas --como sempre-- não seriam aproveitadas por minha banda. Chamei os amigos Fernando Nunes e Lan Lan para mostrá-las numa noite na casa do baterista Renato Massa. Junto deles veio Cássia.

Nosso mútuo encantamento se deu imediatamente. Passei a frequentar sua casa durante todo o tempo livre que tive nessa temporada. Ia para o seu apartamento em Laranjeiras quase todas as noites após as gravações. Lá passávamos a madrugada conversando, tocando violão. Foi na esteira desses dias que ela me fez o convite para produzir seu disco.

Cássia costumava usar um tênis ("baiaba", como ela dizia) All Star azul, que eu achava um charme. Nessa época ela estava de cabelo azul. Eu que, desde o colegial havia trocado os tênis por sapatos de cadarço, ainda mantinha no meu guarda-roupas um All Star preto de cano alto que minha mãe havia trazido dos Estados Unidos no final dos anos 70 (uma encomenda que eu tinha feito por achar linda uma foto do encarte do disco "Living in the Past", do Jethro Tull: Ian Anderson aparecia com um par de tênis desses).

Como ainda estávamos na turnê do "Acústico", na qual usávamos ternos, cheguei para um ensaio com Cássia de terno preto e usando o meu velho All Star. Lembro do espanto que causou minha chegada. "Uau! Como você está lindo!"

E, assim, o tênis virou uma espécie de símbolo na nossa relação complementar. Foi a partir dessa metáfora que escrevi a música. A costura cromática entre o azul do tênis dela com o "meu, preto, de cano alto", e o azul de seu cabelo com o meu, laranja, sendo recebido com simpatia pelo bairro das Laranjeiras, serve de fio condutor para a descrição daqueles meses de intensa convivência.

No entanto, há um verso enigmático dentro da letra que sempre causou estranheza aos ouvintes, por conta de uma aparente contradição interna. "Se o homem já pisou na Lua como ainda não tenho seu endereço" parece não fazer nexo se pensarmos que eu frequentava sua casa no "bairro das Laranjeiras, (que) satisfeito sorri, quando chego ali e entro no elevador/ Aperto o 12 que é o seu andar".

Explico aqui, então: embora eu soubesse chegar a sua casa de táxi, me dei conta de que não tinha o seu endereço quando precisei postar uma carta que escrevi, dando a sugestão de ela incluir a música "Woman is the Nigger of the World", de John Lennon, no repertório de seu show. Liguei para ela, que ficou intrigadíssima com a minha pergunta. Iniciei assim uma correspondência de mão única, pois, apesar de eu ter enviado outras, nunca recebi sequer uma carta sua. Mas me bastou a resposta de sua linda interpretação, que eternizou a música.


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