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Samuel Pessôa

A fala da presidente

Dilma sustenta velhíssimas teses sobre inflação que rondaram a AL por muito tempo; isso é preocupante

Na quarta-feira passada, no encerramento da reunião de cúpula dos chefes de Estado dos Brics em Durbin, na África do Sul, a presidente Dilma Rousseff deu entrevista que mexeu com o humor do mercado financeiro.

Na entrevista, havia duas mensagens de naturezas totalmente diferentes. Por um lado, ela afirmou: "Nós tivemos um baixo crescimento no ano passado e houve um aumento da inflação porque teve um choque de oferta devido à crise".

A presidente, concordando com alguns analistas do mercado, com a Fazenda e com o Banco Central, considera que a inflação está muito elevada porque houve em 2012 um choque de oferta negativo na forma de uma redução da oferta mundial de bens agrícolas, principalmente grãos, em razão da quebra de safra nos EUA, na Argentina e em menor escala no Brasil.

A maior evidência favorável a essa interpretação é que a manutenção da inflação em 2012 em 5,8% ao ano, depois de ter fechado 2011 em 6,5% -ou 5,8%, se utilizarmos os novos pesos na confecção do índice de inflação-, foi simultânea à forte redução do ritmo de crescimento da atividade econômica. O crescimento do PIB em 2012 foi de somente 0,9%.

Outros analistas, entre os quais me incluo, consideram que a estabilização da inflação em patamares muito elevados indica que a economia, apesar do baixo crescimento, testa os limites de sua capacidade produtiva.

Apesar de haver alguma ociosidade na indústria, o mercado de trabalho está muito apertado tanto nos indicadores quantitativos -desemprego, taxa de participação da população em idade ativa e taxa de crescimento da população ocupada- quanto nos preços -a renda real cresceu no ano passado 4%, bem acima da expansão da produtividade.

Esses mesmos analistas sustentam que parte da queda do crescimento não é conjuntural, mas estrutural, em razão da queda da produtividade, consequência da enorme elevação da intervenção estatal na economia, e da elevação da participação dos serviços no crescimento.

Para esses analistas, há sinais de excesso de demanda, o que exige elevação da taxa básica de juros.

Esse é um bom debate. O Banco Central já discordou em outras oportunidades da opinião média dos analistas de mercado e os fatos posteriormente foram a seu favor.

Assim, em que pese esse ou aquele posicionamento, o debate está aberto e somente a passagem do tempo poderá indicar qual interpretação do processo inflacionário recente é melhor.

A segunda mensagem da entrevista da presidente é muito preocupante. Dilma sustenta velhíssimas teses que rondaram a América Latina por muito tempo e que argumentavam que a inflação não era um fenômeno essencialmente monetário fruto de excesso de demanda resultante de um descontrole da moeda (que, em geral, está associado a um descontrole das finanças públicas).

A visão alternativa sustenta que a inflação tem causas estruturais desconectadas do controle monetário e que seu combate requer essencialmente aumentar o investimento e a oferta da economia.

No limite, chegaríamos à visão que prevaleceu no governo Juscelino Kubitschek, segundo a qual inflação para financiar o investimento é positiva, pois gera o seu contrário.

O crescimento da oferta que ocorrerá à frente compensará o impacto inflacionário do investimento, e o nível de preço cederá. Essa mesma visão prevaleceu no governo Ernesto Geisel.

Temos dolorosa experiência com essa interpretação do fenômeno inflacionário.

O financiamento inflacionário do investimento, e, consequentemente, do crescimento, além de ter fôlego curto -apesar de experiências como a da Argentina, recentemente, e a do Brasil, nos períodos citados, mostrar que é, sim, mais longo do que os livros-textos de macroeconomia supõem-, produz crescimento com péssima qualidade.

Costuma terminar em desorganização da produção, hiperinflação, piora da distribuição de renda e fuga de capitais.

Evidentemente estamos muito longe dessa situação. Somente preocupa a fala da presidente sugerir que ela apoiaria o crescimento a caneladas do período JK.

SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.


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