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Entrevista Andrea Calabi

Reforma fiscal está levando o país à beira da guerra civil

Secretário da fazenda de sp diz que indústria nacional será grande prejudicada com benefícios à zona franca de manaus

MARIANA CARNEIRO DE SÃO PAULO ANA ESTELA DE SOUSA PINTO EDITORA DE "MERCADO"

"É um conflito, é guerra. O tamanho das ameaças é muito grande."

Foi dessa forma que o secretário de Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, começou a conversa com a Folha, na última sexta-feira.

Ele se referia às discussões da reforma do ICMS, no Senado e na Câmara, que devem prosseguir nesta semana.

A reforma do imposto provocará perdas ao longo das próximas décadas a alguns Estados, não a todos. E por isso é tão apaixonada.

Nesta entrevista, Calabi aponta preocupações no horizonte de São Paulo e também os riscos para a indústria brasileira.

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Folha - Qual é a perda para São Paulo?

Andrea Calabi - Com o ICMS, são R$ 2,344 bilhões no primeiro ano, mas depois sobe para até R$ 6 bilhões. São Paulo perde R$ 55 bilhões. O Brasil perde R$ 221 bilhões.

O ministro Guido Mantega se reuniu com os governadores e fez uma proposta, e o Nelson Barbosa [secretário do ministério da Fazenda] se reuniu com os secretários de Fazenda e trabalhou uma proposta. O ICMS iria para 4% durante um certo período.

Nós, do Sul e do Sudeste, discutimos quatro anos, e o Norte/Nordeste/Centro-Oeste queria oito anos.

Quando chegou ao Congresso, colocaram um monte de jabutis na árvore. Alguém botou eles lá.

Quais são esses jabutis?

Os 12% da Zona Franca de Manaus e do gás natural. E a esticada na trajetória de redução da alíquota de emergentes para avançados no diferencial de 7% e 4%.

Além de passar para oito anos, aumentou mais quatro: são 12 anos. E a assimetria é cara para São Paulo.

Na proposta anterior [que unificava as alíquotas em 4%] a gente até ganhava. Agora a gente perde R$ 55 bilhões.

Mas a assimetria se reduz. Por que o governador diz que é melhor não fazer a reforma?

Porque 7% e 4% ainda é assimetria, que permite guerra fiscal e uma série de fraudes. E o custo disso é de R$ 8 bilhões ao ano em 20 anos, o que dá R$ 160 bilhões. Somado ao fundo de desenvolvimento regional, são R$ 400 bilhões. O governador disse para a presidenta: Vai gastar meio trilhão para ficar igual? É melhor não fazer nada. Gasta melhor esse dinheiro'.

Então é custoso para a União fazer a reforma desse jeito?

Tem algumas considerações para que essa reforma seja boa. Os 7% e 4% são uma derrota do Sul e do Sudeste em relação ao defendido por Norte/Nordeste/Centro-Oeste. E aí tem pouco a fazer, tem que aprender a engolir sapo.

SP admite a assimetria?

Admitimos os 7% e 4%, desde que se refira a projetos industriais. Da mesma forma a convalidação [validação de incentivos já concedidos].

Ou seja, admite-se uma alíquota diferenciada com a finalidade de estimular os Estados menos desenvolvidos. Porque é correto que se descentralize a produção e que se reduzam as diferenças inter-regionais de renda.

Limitar ao incentivo industrial é para limitar fraudes tipicamente comerciais, como o passeio de nota fiscal.

Aumentaram as autuações e as fraudes?

Nós estimamos cerca de R$ 10 bilhões ao ano [em fraudes com passeio de notas fiscais]. Nós detectamos e auditamos cerca de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões por ano e temos um estoque de R$ 15 bilhões em glosas de crédito [congelamento] derivadas de passeio de nota.

Há ainda um enorme número de benefícios inconstitucionais detectados que nós já mandamos para o Supremo Tribunal Federal. Temos 30 Adins [Ações Diretas de Inconstitucionalidade] no Supremo. Se não passar a reforma, o risco que os Estados correm, principalmente os pecaminosos, será uma súmula vinculante.

Então, o diferencial de 7% e 4% ainda permite o passeio de nota. No entanto, é menor. E, em segundo lugar, é isso ou não é. Então, vamos trabalhar a partir do fato de 7% e 4%. Mas tem anomalias gritantes, que são os 12% da Zona Franca de Manaus e os 12% do gás.

Por que o benefício para a Zona Franca é uma anomalia?

O benefício é muito grande, iria todo mundo para Manaus. Quem percebeu isso? Quem iria ter sua industrialização arrasada.

Para São Paulo é maior o custo de transporte. Então, podem ir para Manaus produtos com maior densidade tecnológica e peso menor. Agora, todos os que estão perto, começando pelos demais Estados na Região Norte, estarão arrasados.

Roraima, Rondônia, Amapá e Acre disseram "queremos 12% também para nossas áreas de livre comércio".

Então elas podem importar alguma coisa, maquilam e vendem para São Paulo, e trazem um crédito de 12%. É uma enorme distorção, que se espraiou para outras áreas.

O aumento das áreas é pior?

É muito pior para a indústria nacional, é pior para o desenvolvimento nacional. Acaba a indústria, nós viramos "duty-free".

O governo federal que contribua para dar o apoio ao Amazonas e a Mato Grosso do Sul que, por decisão explícita da proposta, julga que é importante dar. Mas não pode ser de um jeito que destrói a indústria nacional.

É possível aceitar os incentivos já concedidos?

Tudo o que se pecou para trás tudo bem, nem precisava de lei. Mas há quem diga: "estou contratado a continuar pecando por mais 20 anos". Bom, onde há indústria e emprego pode convalidar.

Mas tem outra parte da discussão sobre a quebra da unanimidade da decisão do Confaz [conselho dos 27 secretários estaduais de Fazenda] que é inaceitável, é guerra civil. Sem meias palavras. O Sarney diz que dá secessão.

Na discussão, está também a divisão do ICMS para comércio eletrônico. Por que relacionar os assuntos?

Enquanto não houver uma solução, queremos que a discussão seja ampla, não só do comércio eletrônico.

Há um custo enorme para São Paulo. O comércio eletrônico cresce R$ 5 bilhões ao ano. Neste ano, estamos estimando [a receita] em R$ 31 bilhões.

O ICMS fica todo na origem. Do jeito que está aumentando fica injusto, porque o grosso das empresas de comércio eletrônico está em São Paulo e Rio. Os outros Estados querem compartilhar. É justo, mas tem que ser no âmbito da reforma tributária geral.

A estratégia da bancada paulista vai ser discutir em bloco?

Não só da de São Paulo. Todas as peças estão no tabuleiro. É preciso mexer. E comércio eletrônico é uma delas. A soma das perdas para São Paulo com a redução da alíquota do ICMS e a do comércio eletrônico dá R$ 7 bilhões ao ano.

É muito. A gente investe R$ 20 bilhões por ano. É quase metade do investimento!

E ainda tem o Fundo de Participação dos Estados, em que o Sul e o Sudeste têm uma parcela muito melhor.

É um horror. Também não dá pra estuprar São Paulo de forma impune. Há coisas complicadas e inconstitucionais. É grave a situação nacional, é grave.

Essa questão está acabando com o Brasil. Estamos beirando a guerra civil, estamos beirando causa de secessão a longo prazo. Estamos nos desorganizando.

Por outro lado, a contraparte também é verdade: é uma enorme oportunidade. É um grande momento. As coisas estão na mesa, temos bons interlocutores no governo federal, temos bons trabalhos técnicos. Os Estados estão carentes de investimento.

Se houvesse uma política nacional de desenvolvimento regional, que falta, organizaria todos esses recursos.


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