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Análise
Problemas europeus continuam à espreita
Risco do fim da zona do euro diminuiu, mas entraves permanecem e não dá para descartar novas tempestades
Por sob a calma superficial, os problemas fundamentais da zona do euro continuam não resolvidos
Pouco mais de um ano atrás, a zona do euro parecia estar à beira do colapso, diante do medo crescente de uma saída grega do bloco e dos custos insustentavelmente altos para Itália e Espanha captarem dinheiro no mercado.
Hoje, o risco de que a união monetária se desintegre é substancialmente mais baixo --mas os fatores que o alimenta continuam em larga medida intocados.
Diversos desdobramentos ajudaram a restaurar a calma. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), prometeu fazer "o que quer que fosse necessário" para salvar o euro. Foi criado o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM), com € 500 bilhões ao seu dispor para resgatar bancos e governos.
Algum progresso foi realizado na direção de uma união bancária europeia. E a Alemanha compreendeu que o bloco é tanto um projeto político quanto econômico.
Além disso, a recessão na zona do euro acabou (ainda que a recuperação seja frágil). Algumas reformas estruturais foram implementadas, e o ajuste fiscal avançou consideravelmente.
Mas, por sob a calma superficial, os problemas fundamentais da zona do euro continuam não resolvidos.
Para começar, o potencial de crescimento ainda é baixo demais na maioria dos países periféricos, dada a população envelhecida e o baixo aumento da produtividade, enquanto a alta do PIB vai se manter abaixo de 1% pelos próximos anos, o que implica que o desemprego continuará alto.
Enquanto isso, o nível da dívida privada e pública (interna e externa) continua alto demais, e vai crescer como proporção do PIB.
Ao mesmo tempo, a perda de competitividade só foi parcialmente revertida. A severa recessão na periferia levou a colapso das importações nesses países, mas a redução no custo da unidade da mão de obra não bastou para estimular muito a exportação.
O euro continua forte demais, o que limita severamente a melhora da competitividade necessária a elevar as exportações.
O problema mais amplo, claro, é que o progresso rumo à união bancária, fiscal, econômica e política --t essenciais para a viabilidade da zona do euro em longo prazo-- vem sendo lento demais. A realidade é que não houve progresso algum quanto aos três últimos aspectos, e o progresso rumo à união bancária foi limitado.
A Alemanha resiste aos elementos de risco compartilhado dessa união: o sistema unificado de garantia de depósitos, um fundo comum para liquidar bancos insolventes, e a recapitalização direta dos bancos pelo ESM.
A Alemanha teme que o risco compartilhado se torne risco transferido, e que qualquer forma de união fiscal venha a se tornar uma "união de transferência", com o núcleo rico subsidiando permanentemente a periferia.
Além disso, o BCE não está disposto a adotar políticas criativas que poderiam atenuar a compressão de crédito. Ao contrário do Fed (Fed, o banco central dos EUA), o BCE não está envolvido em operações de relaxamento quantitativo; e sua "orientação futura" de que manterá baixas as taxas de juros não parece muito confiável.
Pelo contrário, as taxas de juros continuam altas demais e o euro forte demais para permitir medidas que permitam que o crescimento do bloco pegue no tranco.
Enquanto isso, a fadiga quanto às medidas de austeridade está crescendo na periferia da zona do euro. O governo grego está sob intensa pressão, ao buscar novos cortes de gastos; e os governos da Espanha e Portugal estão tendo dificuldade até para atingir as metas fiscais mais frouxas estabelecidas pelos credores, e a pressão política está crescendo.
Até o momento, o grande acordo entre o centro e a periferia vem se mantendo: a periferia está mantendo a austeridade e a reforma, e o centro continua paciente e a fornecer financiamento.
Mas o desgaste político pode em breve chegar a um ponto de ruptura, com partidos populistas inimigos da austeridade, na periferia, e partidos populistas inimigos do euro e dos resgates, nos países centrais, possivelmente conquistando maioria nas eleições para o Parlamento Europeu em 2014.
Se isso acontecer, um surto renovado de turbulência financeira enfraqueceria a frágil recuperação da zona do euro. A calma que vem prevalecendo nos mercados financeiros da zona do euro há quase um ano pode se provar apenas um repouso temporário entre tempestades.
Tradução de PAULO MIGLIACCI