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Marcelo Miterhof

Mercado mais Estado

Não tivesse nascido empresa pública, se beneficiado do conhecimento produzido no ITA, a Embraer não existiria

A coluna passada terminou questionando se é possível ter no Brasil uma indústria de transformação que não se restrinja ao adensamento das atividades em torno de recursos naturais nos quais o país tem alta competitividade, casos de fertilizantes e dos fornecedores da cadeia de petróleo e gás, ou no qual o mercado interno é fator decisivo para a localização por transnacionais de plantas de montagem de bens duráveis, casos da automobilística e de outros bens de consumo.

Para tentar responder, recorro a outro episódio no Vietnã em 2012. Ao conversar com um turista americano, me queixei das dificuldades da indústria no Brasil. Ele estranhou: "Eu me canso de voar em aviões brasileiros nos EUA".

A Embraer é um exemplo algo raro, mas não único, de empresa de capital nacional que atua num setor de alta tecnologia da indústria de transformação conquistando mercados mundo a fora. O que falta para o Brasil ter mais casos de sucesso?

A estratégia liberal recomenda aumentar o grau de abertura à importação para que a maior pressão competitiva selecione as empresas mais capazes. Para que os grupos econômicos locais possam enfrentar a situação, deveria haver um esforço para reduzir o chamado "custo Brasil".

Se num ímpeto as "reformas" fossem colocadas em prática e acabassem com o "custo Brasil", será que as empresas brasileiras estariam prontas para responder bem a uma abertura comercial e conquistar mercados internacionais?

Ninguém é contra reduzir a burocracia, melhorar a infraestrutura, diminuir os juros etc. Essas são coisas que atrapalham produzir e viver no Brasil. Dar respostas a tais problemas é desejável, embora nem sempre seja fácil fazê-lo.

No entanto, é isso que faz a diferença decisiva?

Vale constatar que o sucesso dos setores associados aos recursos naturais ocorre a despeito das dificuldades de produzir num país em desenvolvimento. O caso da Embraer é ainda mais notável, pois seu desempenho nem sequer se baseia no acesso a dotações privilegiadas de recursos naturais.

A empresa decolou depois de privatizada, mostrando que a iniciativa privada tem virtudes como a de dar foco de mercado a suas ações. Mas não são só os financiamentos do BNDES, chaves para o sucesso no mercado global de aeronaves, que mostram a importância do Estado para a firma. Não tivesse nascido empresa pública, se beneficiado da mão de obra e do conhecimento produzidos no ITA e da demanda da Aeronáutica, a Embraer não existiria.

Esse é um exemplo de que a articulação entre as iniciativas pública e privada não tem o caráter contraditório que usualmente se faz parecer. Essa é a chave para discutir como é possível ter uma indústria mais sofisticada no Brasil.

Estado e mercado são formas de organização coletiva. É certo que enfatizam tipos opostos de interação humana, cooperação e competição, porém isso não significa que devam existir dicotomicamente.

Pelo contrário, é desejável que concorrência e cooperação se articulem num sistema de pesos e contrapesos. Na democracia, o acesso ao poder do Estado é decidido pelo mecanismo competitivo das eleições. No mercado, a competição induz eficiência de custos, mas é notório que o setor privado valoriza sobremaneira a liquidez e não aceita tomar riscos por horizontes muito longos.

Por isso, as inovações mais radicais --em termos tecnológicos, como nos casos que ocorrem nas indústrias farmacêutica e de defesa, ou mercadológicos, como nos de indústrias nascentes, em que as economias de escala representam altos riscos, ou na busca de internacionalização-- são patrocinadas e mesmo lideradas pelo Estado, via criação de estatais, garantia de encomendas ou financiamento. A cooperação e os orçamentos públicos são formas de diluir os riscos elevados que a iniciativa privada não aceita tomar.

A atuação empreendedora do Estado condiciona fortemente o desempenho do setor privado. Tal articulação é mais importante do que a agenda convencional que confere ao setor público a tarefa lateral de reduzir o "custo Brasil".

Mais que isso, se torna possível não depender de manter um câmbio brutalmente depreciado, o que puniria por demais a renda real dos trabalhadores, para dar competitividade à produção industrial brasileira.

A próxima coluna discutirá exemplos recentes de ação indutora do Estado.

marcelo.miterhof@gmail.com


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