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Vinicius Torres Freire
'Um urubu pousou na minha sorte'
Urubus do poeta Augusto dos Anjos bicam os erros insepultos do governo Dilma
O QUE PODE fazer Dilma Rousseff a fim de espantar os urubus que pousaram em sua sorte?
Nada. A presidente na verdade cevou os bichos durante anos. Alimentou a lambança da Petrobras, da inflação incômoda e do risco de falta de luz. Os urubus não vão arredar o pé tão cedo.
A alternativa presidencial pode ser a tentativa de alegrar o ambiente, disfarçar que há bichos na sala. E agourar a oposição. O projeto de criar CPIs de revanche, que biquem o PSDB de Aécio Neves e o PSB de Eduardo Campos, é um exemplo da estratégia.
Não seria um espetáculo bonito. De um lado, o dilmismo por ora incapaz de levar o lixo para fora, de resolver problemas que criou para si mesmo, acuado, mas agressivo. De outro, a oposição magríssima de votos reanimada com a carniça exposta dos erros do governo.
Mesmo em uma CPI da Petrobras entrevada, Dilma Rousseff não terá como escapar pelo menos do fato de que seu governo e a empresa, sob sua influência direta, fizeram-se de mortos por seis anos sobre o negócio ruinoso da compra da refinaria.
Não se trata do preço do negócio em 2006, que pode ser justificado com um malabarismo matemático-financeiro até discreto. A mumunha está na operação de compra da outra metade da refinaria, negociada por uma exorbitância entre o final de 2007 e o início de 2008, como se escrevia nestas colunas no domingo passado.
Sim, Dilma de fato matou o negócio quando soube da extravagância. Matou e deixou a coisa apodrecer, insepulta, sem atestado de óbito, perícia, necropsia nem exame de corpo de possível delito. Vieram os urubus.
Daqui até a metade de abril, PSB e depois PSDB vão levar esse filme de horrores para os seus programas políticos na TV. Mais tarde, se vier a CPI, haverá escândalos extras, de fantasia ou não, suspeitas de superfaturamentos, doleiros, propinas, "hotéis de luxo", aquelas histórias de primo do irmão da tia da secretária que viu tudo, o de costume.
Muito menos escandaloso, quase surdo, mas mais irritante do que se imaginava, é o ruído baixo da inflação, que apareceu na pesquisa CNI/Ibope como um motivo de mau humor popular crescente com o governo. A inflação crescerá ainda um tico até a eleição. A taxa de 2014 deve ser maior ou pelo menos igual à do ano passado e a de 2010, pouco antes de Dilma assumir (5,9%). A taxa de juros básica será maior (para o consumidor, a taxa média talvez seja um tico menor). A inflação é obra da política econômica de Dilma.
O risco de falta de energia é ainda uma abstração para a maioria do eleitorado e uma incógnita para os especialistas. Mas outra vez o governo expõe sua sorte aos urubus. Conta com as águas de abril, pois as de março não vieram, assim como não apareceu uma campanha prudente de poupança de eletricidade, a qual o governo julga tecnicamente desnecessária.
Pode ser. Mas, se faltar um watt para acender uma lanterna, o desastre será potente. Além de ter desarranjado o mercado de energia com repressão de preços, o governo terá então sido irresponsável a fim de esconder a própria incúria.
("Ah! Um urubu pousou na minha sorte" é cortesia do poeta esdrúxulo Augusto dos Anjos, que será um defunto centenário neste ano de 1914).