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14 anos de perdão

Em vez de exceção, renegociação de impostos vencidos vira regra no país, consequência do complexo sistema tributário e da necessidade de ampliar a arrecadação

RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO

Uma nova ampliação do Refis, programa do governo federal de renegociação de dívidas tributárias vencidas, anunciada nesta semana, mostra que parcelamento generoso de débitos e anistia de multas e juros virou a regra, e não exceção, no Brasil.

Dois fatores levaram o programa, criado em 2000 e reeditado várias vezes desde então, a se tornar quase contínuo, em vez de excepcional.

Do ponto de vista das finanças públicas, o perdão tributário é uma ferramenta de curto prazo para que o governo federal brasileiro consiga fechar as suas contas anuais.

É que os débitos abrangidos incluem, por exemplo, valores inscritos na dívida ativa da União --ou seja, que estão sob cobrança judicial, processo que pode se arrastar por muito anos.

Garantir o pagamento imediato, ainda que perdoando parte do débito e permitindo o pagamento em prestações suaves, é uma forma de abastecer logo os cofres públicos.

No ano passado, o Refis permitiu ao governo federal ampliar a arrecadação em R$ 21,8 bilhões. Grandes empresas, como a Vale e a CSN, aderiram.

O primeiro Refis, em 2000, tinha como justificativa ajudar as empresas, que teriam sido prejudicadas pela forte crise cambial de 1999.

Na época, foi muito criticado o fato de o programa não diferenciar inadimplentes (quem declarou seus débitos para a Receita ou para o INSS, mas não pagou) de sonegadores (quem tentou escondê-lo). Quem aderisse ficava anistiado do crime tributário.

As edições a seguir--2003, 2006 e o Refis da Crise, de 2009, reaberto seguidamente para novas adesões (agora, bancos, seguradoras e multinacionais poderão parcelar dívidas vencidas até dezembro de 2013) --passaram a ser mais explícitas na justificativa: turbinar a arrecadação.

No caso atual, a meta é ajudar a cobrir o aporte de R$ 4 bilhões do Tesouro ao setor elétrico, que está em crise.

O problema é que a continuidade do programa, e a expectativa criada de que sempre haverá um novo Refis, cria aquilo que os economistas chamam de "risco moral".

Se as empresas passam a considerar que é vantajoso não pagar seus impostos e contar com renegociação adiante, a tendência é que, no médio prazo, a inadimplência dispare e a arrecadação diminua. Trata-se ainda de uma punição, não só moral mas também competitiva, a quem pagou os impostos devidos na data certa.

O REFIS É CONSEQUÊNCIA

Já da perspectiva do contribuinte, o Refis pode ser uma consequência de um sistema tributário maluco.

"Há que se questionar por que só no Brasil existe tamanha reiteração de um programa como esse", afirma o advogado e professor titular de direito tributário da USP (Universidade de São Paulo), Luís Eduardo Schoueri.

Ele aponta que, onde há um sistema tributário menos complexo, o contribuinte sabe bem quanto deve pagar de impostos.

"No Brasil, não há essa certeza, os entendimentos divergem, e o débito vai parar em instâncias administrativas ou judiciais. O nosso grau de contencioso não é comum. E nosso sistema é volátil, condutas consolidadas se tornam ilícitas de repente."

Só o governo federal, em débitos tributários, previdenciários e similares, tem hoje a receber cerca de R$ 1 trilhão, ou cerca de 25% do PIB.

"Com um valor tão alto, o Refis é inevitável. A economia quebra se todo o valor for exigido", diz Schoueri. Segundo ele, a "conciliação" com o governo é uma opção mesmo para quem tem a expectativa de vitória judicial.

"Já vi muitos casos em que o empresário é autuado, e os advogados acham que ele tem razão. Aí vem um Refis. Como ele não tem certeza sobre o desfecho, em nome da segurança, acaba aceitando, mesmo com uma ótima tese em mãos. No nosso escritório, há autuações de multinacionais que acabam, com as multas e juros, envolvendo valores tão altos que a matriz fica assustada, responde que isso a quebraria. O Refis vira uma tábua de salvação", diz.

REFIS NO MUNDO

Ele lembra que há outros países que já fizeram programas parecidos com o Refis, como a Itália, mas de maneira excepcional, em vez de rotineira. No Brasil, ao longo dos anos, a moda pegou e vários governos estaduais e municipais passaram a editar seus próprios Refis.

Ou seja: o próprio sistema tributário caótico, que conta com 80 tributos e cria 30 novas normas por dia, cria suas válvulas de escape, seja o Refis, para os grandes, ou o Simples, para as pequenas empresas.


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