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Tentativa de debelar a inflação foi deixando vítimas pelo caminho

Aumento rápido nos preços dificultava planejamento dos empresários; planos para vencê-lo se revelaram dolorosos

Do Cruzado ao Real, ação para desarmar a herança inflacionária do regime militar levou muitas empresas ao vermelho

RICARDO MIOTO DE SÃO PAULO

De 1964, ano do golpe militar, até 1994, com o Plano Real, a inflação total no país foi de 1.302.442.989.947.180%, ou seja, mais de um quatrilhão --e 302 trilhões de troco.

Não foram os militares que inventaram a inflação. A tendência do setor público de flexibilizar a política monetária para obter supostos ganhos no curto prazo é antiga --foi o que ocorreu no Encilhamento, logo no começo da República, e mesmo antes.

A herança militar, porém, foi muito ruim. Nos anos 1980, a inflação chegou a 80% ao mês. Ela era, entre outros fatores, consequência de um crescimento baseado na irresponsabilidade fiscal, ou seja, no gasto público muito maior do que a arrecadação.

Como não há milagre, a injeção contínua de dinheiro artificial em uma economia não tem outro efeito senão desvalorizar o próprio dinheiro.

Um dos efeitos da inflação é, em economês, a distorção dos preços relativos. Isso significa que, como os preços mudam muito rápido, já não se sabe mais o que está caro e o que está barato. Qual o valor justo de uma matéria-prima? Qual valor de venda é competitivo? Por que preço não vale a pena produzir?

Não se sabe. Assim, as empresas operam no escuro, quase que por intuição. Além disso, o cálculo dos juros reais se torna difícil --como pegar empréstimos assim?

Como afirma o supermercadista Nelson Barbosa na página ao lado, o planejamento fica impossível. Só se controla a entrada e a saída de dinheiro da conta bancária. Dramas individuais assim, somados, têm grande efeito danoso sobre a país, ao desestimularem o investimento privado.

Embora John Maynard Keynes seja com frequência citado por quem, às vezes por interesses corporativos, defende que a preocupação com a inflação deve ser secundária no debate sobre o deficit público, vale ler o que o economista escreveu sobre o tema:

"À medida que a inflação avança e o valor real da moeda varia de modo indomável, todas as relações entre devedores e credores, que constituem o fundamento último do capitalismo, ficam de tal modo desordenadas que perdem quase o significado. O processo de procura da riqueza se torna um jogo, uma loteria."

O longa luta recente do Brasil para vencer a inflação deixou muitas vítimas.

O Plano Cruzado, por exemplo, tentou congelar preços --tal medida, porém, veio com um reajuste real dos salários; deu em desabastecimento.

O Plano Collor, ao tentar reduzir o dinheiro em circulação, deixou vítimas como a empresária Iramaia Kotschedoff, que também conta sua história ao lado, e como a mulher que chora na capa desde caderno por ter o valor da venda de uma casa, que usaria na compra de outra, confiscado.

Mesmo o bem-sucedido Plano Real causou danos a muitos brasileiros, como o empresário Aldaberto Leist, vítima da valorização do moeda que trouxe importados baratos. Seus sapatos deixaram de ser competitivos, como ele conta na próxima página.

O amargor dos remédios ensina que a dor da estabilização e o tempo que ela leva são bem piores do que eventuais benefícios de políticas monetárias imediatistas.


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