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Muamba gourmet

Redes sociais estimulam sacoleiros descolados, que burlam impostos e viajam para trazer encomendas sofisticadas de amigos reais e virtuais

JOANA CUNHA DE SÃO PAULO

"Cheguei dos Estados Unidos nesta semana e ainda nem abri as malas. Comprei roupas de bebê, maquiagens e brinquedos para vender aqui, mas só para amigos."

A viajante, que assim como os outros passageiros citados nesta reportagem concedeu entrevista sob a condição de não ter seu nome revelado, faz parte de uma nova onda de "importadores informais" que viajam ao exterior mensalmente em busca de itens para revender sem pagar os tributos devidos.

Antes relegada e restrita a grupos com fácil acesso a viagens, como comissários de bordo, o serviço de sacoleiro internacional começa a ser visto como atividade descolada e com ares de exclusividade na classe média, na esteira de redes sociais, que servem de vitrine dos produtos.

"Ainda não sei se vou continuar, se vai dar certo, mas criei uma página no Facebook para mostrar aos amigos as fotos do que vou vender", diz Vanessa (nome fictício), que acaba de voltar de sua primeira viagem a consumo.

O usuário que escreve na busca do Facebook combinações da palavra "encomenda" com "EUA" ou "Miami" não vai encontrar páginas como a de Vanessa, de qualidade superior nos textos e fotos, além dos títulos mais sutis e acesso, geralmente, restrito.

O conteúdo da bagagem também é um diferencial.

"Eu tenho medo, então escolho como se fosse comprar para mim porque fica mais discreto se a Receita me parar", diz Marina, jornalista que perdeu o emprego em uma editora no ano passado e passou a atuar como freelancer e a viajar no intervalo livre para completar a renda.

Mais ousada, Renata, que diz comprar até US$ 8 mil (R$ cerca de 19,5 mil) por viagem e lucrar quase 100%, explica que o cliente mais moderno já não quer camisa xadrez da Abercrombie nem bolsa Michael Kors, grife que se popularizou no país a partir de 2012 com uma personagem de novela da Globo.

"Essas marcas ainda são fortes no interior. Mas, em São Paulo, ficaram batidas", diz Renata, que ao retornar costuma fazer uma recepção em sua casa com espumantes e chocolates do free shop.

A nova demanda são bolsas Coach e Kate Spade.

Os nichos também evoluíram, segundo o professor de gastronomia Leandro, que embarca ingredientes gourmet para risotos e polentas ou temperos como manjericão e orégano, nova moda entre sacoleiros. A pequena embalagem de sal trufado pela qual paga €13 na Itália ele pode revender por R$ 100.

"A moçada tem trazido comida porque a gastronomia está em alta até na TV com esses programas de chef".

O cozinheiro já teve a mala vistoriada três vezes.

"É constrangedor. Jogaram toda a comida em sacos pretos. Só deixaram os azeites e enlatados de sardinha que eu trazia de Portugal", diz.

"Na outra vez, uma agente abriu minha mala para tirar os pinoles, mas sentiu o cheiro de uma trufa fresca. Tive sorte, ela não encontrou."

Há outras peculiaridades, como autopeças de carros de luxo, que proporcionam farta margem de lucro.

O segmento esportivo também prospera, segundo o personal trainer Marcelo. "Posso reangendar minhas aulas e ir a cada dois meses. Junto milhas e busco desde vitaminas até tênis de corrida para vender aos alunos", conta.

FISCALIZAÇÃO

A Receita Federal anunciou na semana passada que apertará o cerco contra a entrada irregular de produtos em 2015, com base em dados passados pelas companhias aéreas para traçar o perfil dos viajantes, com origem, volume de malas e frequência.

"Eles ameaçam, mas transferir dado é invasão de privacidade", diz Carlos, que traz equipamento fotográfico.

A Receita afirma que a coleta de informações "segue padrão internacional usado por administrações aduaneiras no mundo, mas que, a partir de agora, serão recebidas de maneira pela qual podem ser tratadas pelo sistema informatizado". "Na prática, a Receita usará dados fornecidos pelo passageiro."

Para a advogada Elisabeth Libertuci, do escritório Trench, Rossi e Watanabe, o tema pode acabar na Justiça, pois ao usar dados das empresas aéreas para a fiscalização, a Receita está dando à empresa poder de polícia.

"Uma coisa é fornecer dados de forma não sistemática para atender estatísticas de interesse econômico. Mas quando se estrutura a informação para atender ao interesse da Receita, desvirtua-se a finalidade", diz Libertuci.


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