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Mercado

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Kátia Abreu

Ofício de homens livres

Produtores rurais clamam que não se acrescentem incertezas a seu ofício, além das da natureza e dos mercados

Há exatos 15 dias, começou a primavera no hemisfério Sul, época em que se inicia, para nós, produtores, o calendário agrícola.

É o momento em que os agricultores consultam o tempo e os mercados para decidir quando semear e o quanto podem produzir para realizar um resultado econômico.

Ambos --o tempo e os mercados-- são circunstâncias de risco, para as quais os prognósticos guardam uma grande margem de incerteza.

Toda atividade produtiva, em qualquer setor, está sujeita a uma boa dose de incerteza e risco. Mas a agricultura é um caso especial.

Os avanços da tecnologia não tornaram a produção rural menos dependente do clima, nem as previsões meteorológicas de médio prazo, mais exatas.

E variações climáticas podem arruinar a produção e destruir um produtor, porque entre nós o alcance de sistemas eficazes de seguro agrícola ainda é muito pequeno.

Quanto aos mercados, é imensa a diferença entre as previsões de oferta e de demanda para bens industriais ou produtos agrícolas.

A oferta de produtos industriais pode ser estimada dentro de faixas muito precisas, porque geralmente a produção se dá num grupo limitado de unidades produtoras que, por sua vez, podem cadenciar o ritmo de produção conforme o andamento da demanda. Nesses casos, há sempre um espaço para a coordenação e a decisão de quanto produzir pode se fazer a cada mês, ou mesmo a cada semana.

Na agricultura, a oferta é realizada por milhares --ou até milhões-- de unidades produtivas independentes, distribuídas por vários países do mundo e, deste modo, envolvidas em ambientes climáticos e econômicos diversos.

E o que é mais importante, a decisão de produzir se dá, no geral, uma única vez por ano.

Se, ao longo do processo de produção, as condições de mercado se alterarem, não há como flexibilizar a quantidade produzida.

Restará ao produtor apenas esperar que venham os preços baixos e o prejuízo.

Os preços que os produtos alcançarão na comercialização é praticamente um enigma. No caso da maioria dos produtos que chegam aos mercados domésticos, para os quais não há contratos negociados em Bolsas, a única referência é o passado recente.

Mas, de um modo geral, o produtor não tem informações sobre as quantidades que vão ser produzidas e ofertadas pelos concorrentes e, portanto, não tem como fazer uma boa previsão de preços.

É quase um jogo, cujo resultado pode ser um grande prejuízo.

No próprio caso das grandes commodities negociadas em Bolsas, os preços são transparentes, mas elas são influenciadas no curto prazo por muitos fatores, sem falar na grande assimetria entre as informações acessíveis aos produtores individuais e aos traders.

A primavera, portanto, é uma época de esperança no mundo rural, porque o agricultor só se realiza no ato de produzir, mas também um momento de apreensão e de incerteza, o que é inerente à atividade desde tempos imemoriais.

Essa é a razão pela qual os produtores rurais do mundo inteiro tanto clamam perante a sociedade e o Estado para que não se acrescentem outras incertezas a seu duro ofício, além daquelas que provêm da natureza e dos mercados.

Impressiona, mesmo para quem atua no setor, a habilidade e a competência extremas do produtor rural brasileiro, não apenas no manejo das variáveis climáticas, financeiras e mercadológicas, como também das contingências da política e da economia mundiais.

Mas nunca é demais lembrar que os agricultores e pecuaristas esperam do Estado segurança jurídica e liberdade para produzir e vender.

Aqui mesmo perto de nós, na Argentina, as sucessivas intervenções do governo na liberdade de produzir e vender está minando uma das mais ricas e poderosas agriculturas do planeta.

E, aqui no Brasil, há ainda quem aceite o capitalismo na indústria e nas finanças, mas sonhe com uma agricultura socialista.

Se a história é boa conselheira, ninguém deve se esquecer de que a agricultura é ofício de homens livres.


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