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Samuel Pessôa

Como sair do imbróglio no euro?

É preciso que haja nas economias do sul da união monetária uma inflação menor do que no norte

Nas últimas duas colunas, abordei a forma como as carências institucionais da união monetária europeia, potencializadas pela redução dos juros internacionais e pelo excesso de liquidez em geral prevalecente na primeira década do século, produziram forte elevação do endividamento nas economias do sul da Europa.

A elevação do endividamento gerou excesso de demanda nessas economias, que pressionou o mercado de trabalho e, portanto, gerou forte elevação dos salários. As economias do sul da união monetária perderam competitividade.

Essa dinâmica não é muito diferente do que ocorreu na economia brasileira ao longo do primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso. A necessidade de consolidar a queda da inflação e de preparar as instituições fiscais para um regime de baixa inflação alongou mais do que se imaginava o regime de câmbio fixo.

Em razão da perspectiva de melhora em nossa economia com a estabilização, houve também um processo de entrada de capitais e de elevação do endividamento, principalmente da dívida pública, que contribuiu para a perda de competitividade. Os salários subiram, e o Brasil ficou uma economia cara. As pessoas iam fazer compras em Miami, e o deficit externo atingiu a perigosa marca de 4% do PIB (Produto Interno Bruto).

Em nosso caso, quando a situação ficou insustentável, a solução foi desvalorizar o câmbio nominal. A desvalorização do câmbio nominal eleva em reais os preços dos bens comercializáveis, mas não afeta diretamente os preços dos serviços e o salário.

Houve, portanto, forte queda dos salários reais. Em dois anos, a economia brasileira estava ajustada. Apresentávamos superavit externo, crescíamos e a inflação não explodiu com a desvalorização.

Os países do sul da Europa estão desde 2009 em situação muito parecida com a que nós encontrávamos em 1998. A diferença é que o fato de eles pertencerem à união monetária retira-lhes o instrumento cambial. A única maneira de ajustar o câmbio real e, portanto, a sua competitividade relativamente aos países do norte da união é haver nas economias do sul uma inflação menor do a que no norte.

Como a inflação na união é muito baixa, é necessário haver deflação nos países do sul da Europa. O processo deflacionário é muito custoso. Toda a crise e o desemprego nesses países seguem da tentativa de ajustar seus custos por meio de uma estratégia deflacionária.

Além do grave problema da assimetria de custos, a união monetária não está preparada para enfrentar episódios de falência bancária de forma ordenada. Por outro lado, os bancos europeus estão carregados de títulos de dívida dos diversos Tesouros nacionais.

Portanto, a união monetária não está preparada para eventos de default de dívida soberana. Se quebrar um país, vários bancos quebrarão. Se um banco importante quebrar, todo o sistema monetário europeu quebrará. Provavelmente será um episódio que desorganizará a economia europeia ainda mais do que o evento de setembro de 2008.

Ou seja, enquanto não se completar a construção institucional da união monetária, não haverá muito alternativa ao BCE (Banco Central Europeu) a não ser ficar eternamente refinanciando os Tesouros nacionais e os bancos.

Esse processo de criação de liquidez para refinanciar Tesouros e bancos em algum momento acarretará elevação da inflação.

Nesse momento, se o BCE tentar alterar a política monetária e apertar um pouco a liquidez, haverá a quebra de algum banco importante. Ou seja, o BCE terá que aceitar alguma inflação.

Alguma inflação não será ruim, pois elevará os custos no norte da união monetária e, portanto, ajudará a arrumar as disparidades competitivas que foram construídas no interior do bloco na década passada.

Se, conjuntamente ao ajuste das disparidades competitivas que será promovido pela inflação maior, os políticos europeus conseguirem terminar o que iniciaram e construir as instituições que faltam, teremos o grande salto civilizatório representado pela construção da união monetária.

SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.


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