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Entrevista Juliana Pereira

O consumidor tem o direito de saber quem é quem

Para a secretária nacional do setor, carimbar as empresas que desrespeitam o cliente é a melhor alternativa de punição

ANDREZA MATAIS SHEILA D’AMORIM DE BRASÍLIA

Mais efetivo do que multas, a secretária nacional do consumidor, Juliana Pereira, acredita que carimbar as empresas com o "selo" de quem respeita ou desrespeita o consumidor é a melhor alternativa para puni-las.

A xerife do consumo explica que o governo criará um ranking com base não apenas em quantidade de reclamações, mas considerando também o tipo de problema, o que o ocasionou e a solução apresentada pela empresa.

"É direito do consumidor saber quem é quem no mercado de consumo", defende. Diz ainda que as empresas precisam parar de tratar o consumidor como um custo.

Ex-diretora do Procon em São Paulo, a secretária, que assumiu o cargo no ano passado, diz que espera contar com o apoio dos consumidores para vencer as pressões contrárias à implementação do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, lançado pelo governo na última sexta. Leia trechos da entrevista.

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Folha - Não faltou ousadia na elaboração do plano para um país onde o consumo é a base do crescimento da economia?

Juliana Pereira - A ousadia está exatamente em transformar o assunto em questão de Estado e enfrentar o problema com um conselho de ministros, com foco na solução. Parece pouco, mas é um salto grande.

O plano não prevê aumento das multas, não prevê mais multas...

98% das multas vão parar no Judiciário. As empresas recorrem das multas do Procon, do Ministério da Justiça, das agências reguladoras, recorrem de todas. Só no setor de telecomunicações, por exemplo, fizemos uma conta que, num determinado período, o Ministério da Justiça e os Procons somavam multas de R$ 50 milhões.

Não é a multa que vai melhorar?

Vários países passaram por esse processo da multa alta, da multa que vai sendo discutida longamente, a empresa começa a diluir isso no custo e, na hora que chega o dia para ela pagar, ela já tem todo o dinheiro.

Suspender as vendas, como fez a Anatel, é mais efetivo?

As empresas recorrem também. A novidade está exatamente numa outra coisa que o mercado entende muito rapidamente: todo o governo junto com a agenda do consumidor.

E quando o problema for de infraestrutura?

Uma empresa de e-commerce me disse que o problema é das estradas. Eu disse: o problema é que você promete entregar em dez dias uma coisa que não consegue. Você mente para o consumidor.

Essa postura do governo de assumir a defesa do consumidor pode retrair investimento?

De forma alguma. Esse é o discurso de gente que aposta no retrocesso. A agenda de defesa do consumidor é qualidade, bom atendimento e transparência na cobrança. É uma agenda de desenvolvimento.

É para isso que o Brasil caminha?

Acho que caminhamos para cada dia mais ter um consumidor consciente. O consumo é transversal nas classes sociais: da A à E, todo mundo consome. Essa consciência de que quero qualidade e respeito não tem classe social.

Há os críticos que afirmam que, com isso, o governo vai quebrar empresas...

Esse é um discurso que tem 23 anos de atraso. O Código de Defesa do Consumidor existe desde 1990 e aconteceu o contrário. Vamos criar um índice para mostrar quem é quem. Consumo é relação de confiança. Deu problema, a pessoa procurou a empresa e resolveu, isso aumenta a confiança de que escolheu a marca certa. O consumidor precisa deixar de ser custo e ser tratado como um sujeito importante da relação.

Mais de duas décadas depois, o Brasil está discutindo como aplicar o CDC. O país não está atrasado?

Vinte anos para uma mudança da sociedade é pouco. É claro que temos pressa porque não vamos viver 150 anos.

Como enfrentar o lobby das empresas que têm representantes no Congresso? Uma das principais medidas, a que fortalece os Procons, depende de aval do Congresso.

O que o Procon pode fazer está no Código de Defesa do Consumidor: multar, apreender o produto, inutilizá-lo, caçar o registro, proibir a fabricação, suspender o fornecimento. O que estamos fazendo é dizer que, se ele pode tudo isso, queremos que ele possa também resolver a vida do consumidor de uma maneira mais efetiva.

Qual o recado que a senhora dá para os consumidores?

Você tem o poder. O consumidor escolhe a marca, o modelo, o serviço, o banco que contrata e o Estado brasileiro está dizendo que o que ele quer -qualidade, bom atendimento e transparência, principalmente em custo- virou uma questão de Estado.

É uma cruzada contra as empresas?

Não estamos fazendo nada contra ninguém. É a favor. Um mercado que respeita o consumidor vai ter condições de ser mais competitivo, de exportar, de agregar valor para sua marca. A proteção do consumidor é um instrumento de desenvolvimento econômico e social. É assim no mundo desenvolvido.

Como xerife do consumo, qual o recado para os empresários?

Temos uma grande oportunidade para virar o jogo. Para transformar essa política de Estado, esse novo status de proteção do consumidor, em menos conflito e mais soluções.

E para quem não acredita nisso, que acha que essas medidas não vão sair do papel?

No lançamento do plano estavam todos os Poderes e atores do sistema de defesa do consumidor. Acho que é um bom recado.

A mentalidade de que multa é um custo que se provisiona e empurra a discussão para a Justiça...

Acabou.

Mudar a mentalidade do empresário será um desafio?

Para mudar a mentalidade, vamos estimular a competitividade. Chegou a hora de ter no Brasil um conceito de competitividade pelo consumidor e não só a competitividade clássica do custo.

Como será esse modelo?

Vamos construir indicadores que mostrem o comportamento. A defesa do consumidor sempre diagnosticou o efeito: os mais reclamados. Muitas vezes aparecem os mais massificados. Queremos olhar de maneira mais ampla e dar luz a outros mercados. A ideia é propor indicadores que olhem a conduta setorialmente e permitam analisar a causa para dizer se é uma decisão contumaz da empresa e se tem que ser punida de acordo.

Como vai funcionar isso?

Vamos trazer uma qualificação para as reclamações. Em geral, elas são de que o produto não funciona, a empresa não entregou ou cobrou indevidamente. Queremos dizer: o que o banco cobrou, por que e se tem uma norma sobre isso. Isso qualifica mais a demanda. Queremos qualificar as reclamações para que isso seja levado também para os acionistas.

Classificar as empresas que respeitam e as que desrespeitam os consumidores dá mais resultado?

É direito do consumidor saber quem é quem no mercado de consumo.

Vai ter um ranking dessas empresas?

A intenção é sofisticar esses instrumentos.

Há críticas de que dar maior poder aos Procons fere a constituição.

O Procon pode fechar loja, aplicar multa, cancelar alvará e não pode determinar a devolução de R$ 50 para o consumidor? O próprio Judiciário nos apoia nesse processo. A análise constitucional foi feita pela Advocacia Geral da União.

E a crítica de que as empresas terão que ter estoques maiores para trocas imediatas?

Vamos ter 30 dias para discutir a lista dos produtos essenciais, inclusive com o mercado. A troca é para produtos com defeito. Tenho esperança de que produtos com defeito sejam um percentual muito baixo. A gente sabe de situação em que o consumidor chama a polícia na loja. É esse o país que a gente quer, onde o consumidor, para ser respeitado, precisa chamar a polícia?


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