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Entrevista da 2ª Roberto Azevêdo

Tarefa da OMC será evitar retrocessos no comércio global

Candidato do Brasil à chefia do organismo em crise diz que é hora de retomar negociações ou perda de relevância será irreversível

LUCIANA COELHO DE WASHINGTON

Paralisada há cinco anos pelos impasses na rodada Doha de liberalização do comércio global, a Organização Mundial do Comércio escolhe agora um novo diretor-geral que terá como missão recobrar a relevância de uma instituição essencial ao crescimento econômico mundial.

O brasileiro Roberto Azevêdo, lançado pelo governo no fim do ano passado, desponta como um dos favoritos entre os nove candidatos à sucessão de Pascal Lamy -nos próximos dois meses eles disputarão o voto dos 159 países-membros.

À frente da missão do Brasil na OMC desde 2008, o embaixador se tornou respeitado e querido em Genebra, onde fica a sede da organização.

Seu nome, porém, é menos conhecido nos centros de decisão, onde a tendência é ligá-lo à política comercial do Brasil -protecionista para observadores estrangeiros.

Para apresentar suas ideias e dissociar seu nome de Brasília, Azevêdo, 55, embarcou numa corrida maluca: desde janeiro, visitou 46 países.

Na semana passada, passou 48 horas em Washington, onde se encontrou com o equivalente a ministro do Comércio Exterior, e com representantes da Casa Branca, do Congresso e do setor privado.

Parou também para conversar com a Folha, antes de voltar a Genebra e voar para Doha e Durban, onde o périplo segue até o meio de abril.

"Estou satisfeito e estou tranquilo", afirmou.

"Não esperava [que corresse tão bem]. Quando a campanha começa, há muita incerteza", disse.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

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Folha - Como foram as conversas com o governo americano?

Roberto Azevêdo - Mantemos contato há um tempo, a ideia era vir, fazer um gesto, conversar. E a conversa foi ótima.

Nos encontros que o sr. tem mantido, que preocupações são levantadas sobre a OMC?

Quando apresento minhas prioridades, [digo] que as negociações estão bloqueadas há muito tempo, que é preciso uma solução para a rodada Doha, porque aí você desbloqueia não só ela, mas a organização, e abre espaço para coisas que acabaram fora da agenda. Todos, de modo geral, coincidem que esse é o maior problema e deveria ser a prioridade do próximo diretor. Muitos estão preocupados com que os países passem a optar por negociações bilaterais ou plurilaterais em detrimento do sistema multilateral. As duas coisas sempre existiram juntas, mas hoje só uma vertente caminha.

Há preocupação com a perda de relevância da OMC?

Sem dúvida. Há preocupação com a perda de interesse pelo multilateral, e com o fato de a OMC ter regras do início dos anos 80. É um sistema defasado 30 anos.

Doha empacou por uma resistência grande entre dois grupos. O que pode mudar?

Nos anos imediatos ao impasse havia a crise. Ninguém sabia quantificá-la, nem sabia as consequências. Hoje a crise está embutida nos cálculos. Ninguém acha que amanhã estaremos bem, mas na maior parte dos casos achamos que o pior já passou, que agora haverá uma recuperação lenta e gradual.

Acho também que, nos momentos após o impasse, houve muitas tentativas de fazer o pacote que estava na mesa de negociação funcionar. Não deu. Hoje ninguém mais espera que o outro lado pegue o que esteja na mesa. Partimos de uma situação em que todos já conhecem as sensibilidades e impossibilidades, e haverá disposição de trabalhar de forma mais criativa, sem perder tempo tentando convencer o outro.

Concordar em discordar?

E encontrar o que podemos fazer dentro da discordância. Todos querem o acordo. A OMC está paralisada há muito tempo. Se a gente ficar mais cinco, dez anos com o sistema paralisado, a organização talvez perca a relevância de forma irreversível, porque o mundo vai criar mecanismos de negociação ao largo do sistema multilateral. [Por isso,] as pessoas estão mais dispostas, só não sabem como sair do impasse.

Espera-se do próximo diretor-geral a fórmula mágica?

Não existe fórmula mágica, mas há maneiras de retomar a negociação se houver interesse em sair do impasse e uma liderança capaz de fazer a negociação ocorrer de modo construtivo, em que os dois lados acreditem que o outro quer a solução. Sem facilitador, isso levará dez anos.

Os países desenvolvidos querem mais acesso aos mercados em desenvolvimento...

E os países em desenvolvimento querem mais acesso aos mercados dos desenvolvidos, mas em outras áreas. Há discordância sobre o que se pode fazer na área de bens industriais e na agricultura.

Isso é o coração do comércio internacional. Onde daria para comer pelas beiradas?

Tem várias coisas, e eu não posso falar. O impasse se dá em certas áreas de bens industriais. Tem maneiras de fazer. E tem de [agir] no impasse, ou não adianta nada, descobrir o que dá para fazer e vender isso em todos os países, sem reduzir a ambição.

Como chefe da missão brasileira, o sr. levou o debate do câmbio à OMC. Como diretor-geral, levaria também?

O diretor-geral pode propor, mas os membros decidem. Ele até pode sugerir coisas, mas raramente vai ter uma ideia aceita por todos. Se ele sai muito propositivo, logo vai criar um problemão com metade dos membros.

Houve discussão sobre matar Doha e começar outra rodada.

Não é politicamente viável. Hoje, 90% dos problemas na OMC vêm do medo dos países em desenvolvimento de que se abandone a rodada. E para começar de novo, começaria em que base? Mais fácil ajustar o que está lá.

Qual papel o avanço na liberalização do comércio internacional tem no pós-crise?

Evitar andar para trás. A OMC foi importante para evitar que medidas protecionistas fossem adotadas de forma desenfreada. O aumento foi mais modesto do que se temia, e o comércio continuou crescendo. Muita gente -e eu também- credita isso à OMC.

A segunda coisa é criar espaço para ir liberando o comércio progressivamente. Só que isso não vem da noite para o dia. O mundo desenvolvido levou meio século para baixar tarifas, e ainda há picos tarifários e setores mais protegidos. O processo é lento, mas não pode perder o sentido. A relevância maior do sistema é essa.

O Brasil é destacado como protecionista, embora não seja o único a tomar medidas questionáveis. O sr. viu resistência, ouviu reclamações?

Reclamação propriamente, não. Claro que para vários países daria mais conforto o candidato ser de um país percebido como livre-cambista. Em Genebra, as pessoas me conhecem, sabem como atuo. Mas nas capitais a tendência é associar a pessoa ao país, e cada um faz o julgamento de como ele vê aquele país, se tem política comercial parecida com a dele ou não.

Na campanha, a ideia é dar a imagem do candidato como ele é, porque, quando eleito, vai pautar sua atuação com base nos princípios da OMC, independentemente da política de seu país. Ele tem que ser absolutamente imparcial.

Se for visto como alguém que empurra uma determinada agenda, perderá a efetividade rapidamente.

Uma ressalva à sua candidatura que se repete: o sr. nunca teve cargo ministerial, ao contrário de quase todos os rivais.

É uma crítica sem substância. Um argumento que ouço muito, de que os ministros falam com chefes de Estado, é conversa.

Vai me dizer que um candidato vai ligar para a presidente Dilma Rousseff e ela vai atender o telefone? Ela vai atender o diretor da OMC, se a OMC estiver fazendo algo relevante.


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