Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Mundo

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Dúvidas cercam conflito que derrubou Lugo

Comitê de Direitos Humanos da ONU pede investigação 'imparcial' para episódio que deixou 17 mortos em 2012

Confronto entre camponeses e policiais em Curuguaty é um símbolo da disputa pela posse de terras no país

DA ENVIADA A CURUGUATY

Não muito longe do local onde ocorreu o massacre de Curuguaty, que deixou 17 mortos e foi o estopim para o impeachment-relâmpago do presidente Fernando Lugo no ano passado, a camponesa Dolores López, 23, segura o recém-nascido Jorge Luís nos braços enquanto espera, na casa que virou prisão domiciliar há dois meses, a audiência que definirá seu futuro.

Ela e o pai de Jorge, Luis Olmedo, 21, integram o grupo de 13 acusados pelo massacre, todos campesinos (como são chamados os sem-terra no país). A audiência preliminar, já adiada por três vezes, decidirá se vão a julgamento.

O confronto entre a polícia e os sem-terra, que terminou com a morte de seis policiais e 11 campesinos em 15 de junho de 2012, foi usado por senadores como prova da "má gestão" de Lugo no julgamento político que o destituiu do poder uma semana depois.

Por isso, o Paraguai está até hoje suspenso do Mercosul. Após dez meses, a história continua cheia de lacunas.

A acusação do Ministério Público é questionada por movimentos sociais, e, recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, pediu uma investigação "imediata, independente e imparcial" ao governo.

O episódio, que teve um amplo impacto político no país, é sintomático da situação de tensão que envolve a questão da terra no Paraguai. Um enorme descontrole de títulos, cessões informais de propriedades e revenda de terras doadas pelo Estado faz com que, no papel, o Paraguai tenha mais terras do que sua real extensão.

A propriedade de 2.000 hectares de Marina Cue, no município de Curuguaty (a 240 km de Assunção), em que ocorreu o massacre, é uma dessas áreas em disputa.

Doada ao Estado paraguaio em 1967 pela empresa Industrial Paraguaya, ela é hoje reclamada pela empresa Campos Morumbi (da família do senador colorado Blas Riquelme, morto em setembro), que possui terras no entorno da propriedade e alega usá-la há mais de 20 anos.

Os campesinos já ocupavam o local, visitado pela Folha, desde janeiro de 2012, alegando ser uma terra do Estado. A ação de junho, que havia sido autorizada pelo Ministério Público local, era para a busca e apreensão de supostas armas em poder dos campesinos, mas foi entendida como ação de desocupação pelos sem-terra.

Uma das questões centrais da acusação é de onde partiu o primeiro disparo. Para o procurador Jalil Rachid, está claro que os sem-terra começaram o tiroteio. Por isso, inclusive, apontou como acusados só os campesinos.

"Os policiais foram os primeiros que foram atingidos. Os seis que estavam na frente, e morreram, estavam desarmados. Depois, a polícia só atirou em resposta", disse Rachid à Folha.

Naquela manhã, estima-se que 300 policiais participaram da ação --inclusive um batalhão de forças especiais.

O advogado de defesa dos campesinos, Guillermo Ferreiro, aponta falhas no processo que culminou com a acusação, como o fato de a autópsia só ter sido feita nos corpos dos policiais e de dois dos 11 sem-terra mortos.

"Eles não fizeram autópsia numa série de campesinos que, pelas fotos da própria polícia feitas no dia, acreditamos terem sido executados pelos policiais", diz Ferreiro.

Ele ainda questiona o fato de nunca ter sido analisada uma gravação que teria sido feita por um helicóptero da polícia que sobrevoou a propriedade e acompanhou a ação no dia.

Segundo Rachid, todos os corpos foram analisados e o vídeo, citado por Ferreiro, não existe, já que o equipamento de gravação do helicóptero não funcionava mais.

PRISÃO DOMICILIAR

Dos 11 adultos e dois menores imputados, nove são acusados por homicídio. Todos deverão responder por associação criminosa e invasão de imóvel, segundo o Ministério Público.

Os adultos estão presos desde o dia do confronto. Destes, seis conseguiram prisão domiciliar: quatro após uma greve de fome de mais de 50 dias e duas por estarem grávidas --Dolores é uma delas. "Só queremos nossa liberdade, que seja feita justiça", diz.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página