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Qatar busca prestígio com fortuna de reservas de gás

Monarquia do país já financiou banco, time de futebol e emissora de TVEmbora adepto do islã sunita conservador, emir que controla país cultiva cordialidade com xiitas e os EUA

SAMY ADGHIRNI ENVIADO ESPECIAL A DOHA

O que o time do Barcelona, os rebeldes islamitas na Síria e o Banco Agrícola da China têm em comum?

São todos movidos por dinheiro do Qatar, minúsculo país do golfo Pérsico que aplica sua colossal fortuna para tentar se tornar uma potência.

Dona da terceira maior reserva mundial de gás natural, a monarquia qatari aposta numa estratégia que alterna o "soft power" (alianças obtidas pela persuasão e generosidade) e o "hard power" (poderio financeiro e militar) para projetar influência e prestígio.

O emir Hamid bin Khalifa al Thani deixou clara sua ambição de colocar seu sonolento país no tabuleiro geopolítico tão logo chegou ao poder, após derrubar o regime do pai, em 1995.

Desde então, Al Thani fundou a hoje mundialmente conhecida emissora Al Jazeera, investiu bilhões na Europa, arrematou a Copa do Mundo de 2022 e costurou acordos de paz em vários países.

Embora adepto de um islã sunita conservador, o emir adotou um pragmatismo que o levou a cultivar tanto elos cordiais com o rival xiita Irã quanto um pacto de amizade com os EUA, a quem cede espaço para uma base que abriga milhares de soldados americanos a oeste de Doha.

"O Qatar quer deixar sua marca no mundo", disse um diplomata ocidental no país.

Mas o esforço para crescer sem gerar hostilidade desandou a partir de 2011, quando o emir alinhou-se às forças islamitas sunitas que se consolidaram no rastro das revoltas contra ditadores árabes.

Na Líbia, o Qatar enviou caças para engrossar os bombardeios ocidentais que culminaram com a morte de Muammar Gaddafi. Desde então, políticos líbios se queixaram de que o emir só ajuda facções alinhadas com a ideologia islamita do Qatar.

No Egito e na Tunísia, Doha aparece como o maior aliado político e provedor de fundos dos líderes islamitas eleitos após as revoluções. À medida que aumenta a insatisfação popular contra os novos dirigentes, egípcios e tunisianos irritam-se com a suposta ingerência qatari.

Já no Bahrain, o Qatar é acusado de aplicar dois pesos e duas medidas. Em vez de apoiar o levante da população predominantemente xiita contra o regime, alinha-se com a monarquia sunita responsabilizada por violações de direitos humanos.

Outro envolvimento controverso ocorre na Síria. Al Thani coordenou a expulsão do regime de Bashar Assad da Liga Árabe e prega abertamente um ataque militar para derrubar o ditador. Doha financia combatentes sunitas, o que enfurece rebeldes sírios com agenda secular.

O apoio a islamitas armados preocupa até mesmo potências ocidentais aliadas.

"Todos queremos tirar Assad do poder, mas discordamos do método, e isso gera atritos", confidenciou à Folha um embaixador europeu.

"O caso da Líbia provou o risco de se entregar armas em mãos erradas", afirmou o diplomata, numa referência aos extremistas que se fortaleceram no norte da África após apropriarem-se de arsenais entregues pelo Ocidente para combater Gaddafi.

Céticos apontam, ainda, para as contradições do emir, que diz lutar contra regimes opressores, mas governa um país sem oposição, partidos, sindicatos ou imprensa livre. Doha minimiza a necessidade de democracia e alega que os qataris, detentores da maior renda per capita do mundo, não sentem falta de mudança.

MAL-ESTAR EUROPEU

A ambição de Doha também gera mal-estar na Europa, destino principal dos bilionários investimentos do emir mundo afora.

O desconforto é maior na França devido aos projetos sociais financiados pelo Qatar nas periferias com forte concentração de imigrantes islâmicos.

Em meio ao alarmismo da mídia e da opinião pública francesas, o jornal parisiense "JDD" indagou em recente capa: "Como o Qatar está comprando a França?".

Segundo especialistas, Doha acena para organizações e populações islâmicas por acreditar que a religião tornou-se ideologia dominante no Oriente Médio.

O analista Saleh Eddin Elzein, diretor de um centro de estudos acadêmicos ligado à Al Jazeera, emissora tida como propagadora da política externa qatari, tem outra versão para o fenômeno.

"O Qatar tem dinheiro, mas também tem visão. O [emir] percebeu que havia um vácuo no mundo árabe e que a liderança regional estava nas mãos de países não árabes: Turquia e Irã. Alguém tinha que tomar as rédeas", diz.


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