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Fronteira Israel-Síria vive tensão crescente
Nas colinas do Golã, sírios atingiram ontem um blindado de Israel, que retaliou; área é afetada por guerra civil
Região foi ocupada por Israel em 1967; comunidade drusa se divide entre apoiadores e opositores de Assad
Um punhado de papoulas cobre o chão, crescendo embaixo das esteiras de um tanque de guerra desativado.
O blindado, estacionado próximo à fronteira síria, tem se lembrado dos tempos de ação --recentemente, voltou a ouvir o som de disparos.
Ontem, em mais um incidente fronteiriço, a Síria anunciou ter atingido um veículo israelense que havia atravessado as linhas demarcadas pelo cessar-fogo entre ambos. Israel disparou contra alvos sírios. Não há informações a respeito de feridos.
O embate ocorre na região da cidade de Majdal Shams, nas colinas de Golã, ocupadas em 1967 por Israel.
A proximidade com a Síria, do outro lado da cerca, polariza a população entre os simpatizantes e os opositores ao regime de Bashar al-Assad.
A maior parte dos cerca de 9.000 moradores de Majdal Shams são drusos, grupo religioso minoritário surgido no século 11 --e hoje espalhado por toda essa região.
Com a ocupação da área, esses cidadãos, anteriormente sírios, ficaram em território israelense, onde vivem com permissão de residência, mas sem passaporte. Se precisam viajar, recebem autorização especial.
"Está claro que [o conflito na Síria] não é uma revolução", afirma à Folha o professor de árabe Nazim Khattar, 64. "É conspiração", diz.
Khattar recebe a reportagem em seu jardim de cerejeiras, pelas quais a região é famosa, enquanto descreve a Síria como Estado "mais sofisticado" do Oriente Médio.
Ao servir o chá, o professor diz que está receoso quanto à entrevista. "Tenho medo de que você vá me perguntar sobre o futuro."
"Assad é a única oposição aos americanos, aos europeus e aos israelenses", diz. "Os rebeldes são apoiados por países que querem impor novas regras a esse jogo."
A Síria, por sua vez, "tem aliados hábeis para apoiá-la de maneiras diferentes, em política e em armas", garante. Extremistas libaneses, por exemplo? "Sim. Hizbullah é Síria. Síria é Hizbullah", diz.
Nas ruas de Majdal Shams, esvaziada de turistas pela baixa temporada de ski no vizinho monte Hermon, drusos caminham com suas vestes típicas --roupas escuras, lenço branco na cabeça.
No campinho, um jogo de futebol, e os moradores se amontoam nas sacadas para torcer pelo time favorito. Enquanto isso, ora dizem à reportagem da Folha apoiar Assad, ora se opõem a ele.
"As pessoas estão divididas", afirma Fawze Abu Jabal, cujo sobrenome, recorrente nessa cidade, significa "pai da montanha" --compreensível, dada a paisagem. "Assad conseguiu formar uma democracia sectária."
Abu Jabal nota que, apesar da divisão entre os drusos locais, não enxerga risco de um conflito no futuro --a não ser que acidental. "Estamos perto do fronte, e o perigo é de um ataque não planejado. Não sabemos de onde vêm as bombas", afirma.
No kibutz de Merom Golan, próximo à cidade, o conflito também não entra no discurso dos moradores.
Yehuda Har El, que fundou a comunidade em 1967, afirma que "a verdade não é o que está na mídia, e sim a realidade em si, e esse é o melhor lugar para se viver".
Ele diz que, apesar de ter construído abrigos para o caso de ataques, não entra neles desde 1974. A porta de sua casa não tem fechadura.
"Nós contamos com o Exército para nos defender, se houver bombardeios", diz. "Mas [o regime de Assad] não tem poder para isso."
CAFÉ E CHÁ
No centro de Majdal Shams, moradores se reúnem para tomar café durante a manhã, na sala da casa de Hail Abu Jabal. De tarde, eles retornam para o chá.
Entre apoiadores e opositores ao regime do ditador, o construtor civil Nasr Abu Shahin é exemplo daqueles que, com o desenrolar do conflito, mudam de posição.
Abu Shahin foi preso duas vezes por Israel, pelo contrabando de informação ao regime sírio --que ele admite ter feito. Hoje, diz que Assad transformou o país "em uma lei de gangue contra o povo".
"Minhas ideias foram formadas com o tempo, de acordo com a atmosfera", afirma. "No começo, eu não verbalizava. Então fui da crítica para a confrontação."