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Cidade é loteada por insurgentes na Síria

Raqqa, tomada do governo Assad, é administrada por diferentes grupos; partilha, porém, não é um acordo estável

Rebeldes de 'região liberada' pedem que países estabeleçam uma zona de exclusão aérea sobre a Síria

JOSÉ MIGUEL CALATAYUD COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM RAQQA (SÍRIA)

A rua está suja, cheia de areia e pó. Há um buraco enorme no asfalto, junto à entrada do ginásio de esportes.

Pedestres olham para ele.

"Foi feito por um míssil, ontem", fala um deles. O impacto rompeu uma das principais tubulações da cidade, e parte da região ficou sem água corrente.

Dentro do ginásio, vários homens trajam roupas militares e carregam fuzis AK-47.

Conversam e riem, despreocupados. Em um espaço descolorido na parede é possível supor a ausência de um quadro. Os homens apontam para o lugar e gesticulam, como se tivessem tirado a imagem da parede e a pisoteado.

Ali estava pendurado o retrato oficial do líder da Síria, Bashar al-Assad. "Bem-vindos à Raqqa livre!", exclama um deles, com um sorriso grande. É um rapaz alto e forte, de barba bem aparada e que veste uma "galabiya" cinza --traje tradicional árabe.

Raqqa, no norte da Síria, é a capital da província homônima. Enquanto a atenção à guerra se concentrava no oeste do país, em março, elase tornou a primeira grande cidade totalmente tomada pelos rebeldes. Ou "libertada", como dizem habitantes.

De uma salinha do ginásio, Abu Tayf, formado em história e empresário da construção antes da revolução, lidera a milícia local Omnaa al-Raqqa (Guardiões de Raqqa).

Conta que ele e seus homens tomaram as armas nos povoados em volta de Raqqa, há mais ou menos 14 meses.

"Só queremos uma coisa [da comunidade internacional]: a zona de exclusão aérea. Do resto, podemos dar conta nós mesmos", diz Tayf, rodeado por seus homens. Alguns concordam e repetem em inglês: "Zona de exclusão aérea!".

O Omnaa al-Raqqa tomou parte na luta pela cidade como membro do Ahrar al-Sham, grupo islâmico moderado, bem organizado e com presença em toda a Síria rebelde.

Entre 4 e 8 de março deste ano, o Al-Sham e outros grupos moderados, além dos extremistas do Jabhat al-Nusra e do ELS (Exército Livre da Síria, maior grupo rebelde) se uniram para expulsar de Raqqa as forças do regime.

No começo, cada milícia controlava uma zona diferente de Raqqa, mas, nas últimas semanas, o Al-Nusra e o Al-Sham parecem ter tomado o controle da cidade, expulsando os mais moderados e o ELS.

Raqqa não sofreu o nível de destruição visto em cidades como Aleppo e Homs. Continua a ser uma cidade marrom, e não cinzenta. A poeira das ruas é marrom. As construções são cor de areia.

Mas ainda convive com bombardeios, pois a guerra continua por perto, nas três últimas posições que restam ao regime na província: a base da 17ª Divisão, na periferia de Raqqa, um aeroporto militar a 45 km a oeste e a 93ª Brigada, a 70 km ao norte.

As instalações estão cercadas pelos rebeldes. Se caírem, o governo perderá o controle de toda a província.

No que um dia foi a residência do governador de Raqqa, um rapaz monta guarda no portão de entrada. Lá dentro, a enorme casa se revela um palacete, cercado de jardins. Os restos de uma estátua de Hafez al-Assad, pai do presidente atual, estão jogados ao lado da entrada.

"O governador levava esta vida de luxo e comia tudo o que queria. Agora está na prisão e só come pão com cebola", diz, rindo, Abu al-Nur, 34, porta-voz da milícia Jabhat al-Wahda al-Tahrir al-Islamiya, que ocupa o local.

Al-Nur veste uniforme militar e carrega um dos onipresentes AK-47. Traz na cabeça faixa negra com a "shahada", a profissão de fé islâmica.

BANDEIRA

No controle do antigo edifício do governo provincial está a milícia radical Jabhat al-Nusra, ligada à Al Qaeda e considerada uma organização terrorista pelos EUA.

Lá está erguida a maior bandeira da cidade, visível de quase todos os pontos de Raqqa. O estandarte contém trechos do Alcorão em três versos. Primeiro: "Não há deus exceto Alá, Maomé é o mensageiro de Deus".

Depois: "Não pense que os que caíram por Alá morreram. Pelo contrário! Estão vivos e amparados junto a seu Senhor." Em seguida: "Apeguem-se ao pacto de Alá, todos juntos, sem divisões".

No último dia, aparece um sinal de ordem crescente na cidade. Voluntários com coletes refletores fazem as vezes de guardas de trânsito nas ruas do centro.

À noite, porém, a ordem se converte em confusão. A partilha entre os grupos rebeldes não é um acordo estável: os moradores comentam que o ELS e o Al Nusra vêm se enfrentando. Há quem diga que os islâmicos teriam detido ou matado membros do ELS. Para outros, foi o contrário.

A única coisa certa é que ninguém na Raqqa libertada sabe dizer quem ficará no comando da cidade.


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