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Clóvis Rossi

Espionagem burra

EUA espionaram tolamente o Brasil sobre o Acordo de Teerã, sem aproveitá-lo como deveriam ter feito

O que efetivamente incomoda o governo brasileiro, nesse imbróglio da megaespionagem norte-americana, não é tanto o esquemão global, mas a vigilância na missão do Brasil nas Nações Unidas.

"Uma coisa é a interceptação dos tais metadados, na qual se pode, embora erradamente, invocar questões de segurança nacional. Outra coisa é grampear a missão na ONU. Aí é grampo mesmo, não havia segurança nacional [norte-americana] em jogo, mas política externa brasileira", queixa-se Marco Aurélio Garcia, assessor internacional da presidente Dilma Rousseff.

Grampo burramente utilizado, acrescento eu.

O objetivo da escuta era obter informações sobre o Acordo de Teerã, assinado em 2010 por Brasil, Turquia e Irã, e sobre a Cúpula das Américas de Trinidad Tobago, realizada no ano anterior. Sobre esta, não havia relevância alguma para justificar o esforço de espionar a posição que o Brasil levaria para o que seria o primeiro contato entre o então recém-empossado Barack Obama e seus vizinhos do Sul.

Marco Aurélio desconfia que espionagem ainda mais ativa deve ter sido feita para outra Cúpula das Américas, a de Cartagena, na Colômbia, realizada em abril passado. Outro esforço inútil: todo o mundo sabia que os países latino-americanos diriam que esse encontro americano seria definitivamente o último sem a participação de Cuba.

Já no caso do Acordo de Teerã, também não seria necessário gastar grampos: firmado o acordo, a primeira providência do então chanceler, Celso Amorim, foi ligar para sua colega Hillary Clinton e explicar tudo.

Quando digo que a espionagem foi burra, refiro-me ao fato de que, se ela fosse eficiente, teria antecipado que o acordo seguia rigorosamente as linhas desejadas pelo presidente Obama, expostas em carta enviada a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva.

Portanto, em vez de torpedear o acordo, como o fizeram, os EUA deveriam tê-lo aproveitado para fazer avançar a negociação com o Irã em torno do programa nuclear.

Na carta a Lula, Obama dizia que era "fundamental" obter do Irã o compromisso de enviar 1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no exterior. Seriam enriquecidos até a porcentagem devida para uso em medicina nuclear (como o Irã diz ser o objetivo de seu programa), sem dar brecha para utilização militar.

Esse ponto constava do Acordo de Teerã e a mais elementar lógica indica que terá que ser retomado em algum momento, se e quando o Ocidente e o Irã sentarem-se para negociar seriamente. Tinha uma lógica cristalina: enviando ao exterior 1.200 quilos, o Irã não teria estoque remanescente suficiente para enriquecer até o nível necessário para a bomba.

Posto de outra forma: estaria atendido o desejo de evitar que o Irã chegue à bomba, sem afetar o direito iraniano ao uso pacífico da energia nuclear (reconhecido na carta de Obama e no acordo de Teerã).

Se a espionagem sobre o acordo tivesse sido eficiente, Washington não teria perdido três anos nesse dossiê.


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