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Clóvis Rossi

Desamericanizar é preciso?

Disfuncionalidade política coloca em xeque o papel de liderança que exercem os EUA e a sua moeda

Mesmo com o acordo no Congresso que evita, na undécima hora, o primeiro calote da história dos EUA, é tarde para tirar de circulação o neologismo "desamericanização", cunhado pelos chineses.

Tarde porque o estrago já foi feito: ficou demonstrada, mais uma vez, a profunda disfuncionalidade da política norte-americana, o que arranha seriamente o papel de liderança que desempenham os Estados Unidos e sua moeda, o dólar.

Que os chineses tenham sido os primeiros a falar em "desamericanização" é muito fácil de entender. Primeiro, seriam os mais prejudicados com um eventual calote dos Estados Unidos, na medida em que a maior parte de suas colossais reservas está em dólar.

Se ocorresse o calote, a moeda norte-americana sofreria uma queda violenta, como previam a totalidade dos analistas, e os chineses amargariam tremendo prejuízo.

Segunda razão: a China é a candidata mais forte a coliderar um novo arranjo global pós-"desamericanização".

Mas o resto do mundo também sofreria com a queda do dólar, moeda em que estão denominados dois terços das reservas globais.

Já é absurdo que os Estados Unidos se erijam em vigilantes do planeta, com seu megaesquema de espionagem. Mais absurdo fica quando seu sistema político passa a ser refém de um grupo de fanáticos de extrema direita que quer impor seus preconceitos, passando por cima dos mecanismos democráticos.

Refiro-me ao fato de que os radicais do Partido Republicano paralisaram, primeiro, a administração e, em seguida, puseram o país à beira do calote, a pretexto de derrubar um sistema de seguro-saúde que foi aprovado pelo Congresso e, depois, referendado na eleição presidencial de 2012, em que seu autor, um certo Barack Obama, foi comodamente reeleito.

Mesmo nos Estados Unidos, já há quem aceite a razoabilidade da "desamericanização". Escreve, por exemplo, Eduardo Porter, autor, às quartas-feiras, da coluna "Cena Econômica" no "New York Times":

"Fazia sentido para outros países abraçar o dólar em uma era anterior, quando os Estados Unidos se dispunham a agir como garantidores da estabilidade global. Hoje, com os republicanos no Congresso usando o calote como alavanca em uma vã tentativa de matar o Obamacare, talvez não seja surpresa que o resto do mundo esteja ficando mais sério a respeito de achar uma alternativa".

Mesmo que o Congresso tenha adiado o fim do mundo por alguns meses, o dano à liderança norte-americana já se estendeu da economia à diplomacia.

Escrevem, por exemplo, William Luers, diretor do Projeto Irã da Columbia, e Thomas Pickering, embaixador aposentado:

"Se o Irã propuser um plano ambicioso em Genebra, (...) o sistema político norte-americano parece despreparado, psicológica ou politicamente, para responder à altura".

A disfuncionalidade política do líder do Ocidente levaria a jogar no lixo uma chance de ouro de resolver um dos impasses mais incômodos da atualidade. Logo, "desamericanizar" torna-se um imperativo. Se é factível, é outra história.


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