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Alexandre Vidal Porto

Aos cães

Episódio dos beagles mostra o grau de debilidade em que se encontram as instituições brasileiras

Sempre tive fascinação por cães. O bolo de meu primeiro aniversário tinha forma de cachorro, porque, segundo minha mãe, eu, no carrinho de bebê, sorria toda vez que encontrava um pela frente. Ao longo de toda a vida, tive-os por perto. Hoje, tenho dois, que me esquentam os pés enquanto escrevo esta coluna.

No entanto, a despeito de todo o amor que sinto pelos cães, considero os ativistas que soltaram 178 beagles, cobaias de um laboratório na cidade de São Roque, de uma inconsequência criminosa.

Sua ação parecia coisa de cinema: um enredo que misturava "Os 101 Dálmatas" e "Os 12 Macacos".

No primeiro filme, pessoas compassivas salvam os dálmatas da morte por escalpelamento. No segundo, ativistas da causa animal espalham na Terra um vírus que força toda a humanidade a viver em subterrâneos.

Não gosto da ideia de testes em animais. Entendo quem considera antiético que seres humanos se arroguem o direito de sacrificar outras espécies. Porém, atacar um laboratório que funcionava dentro da lei e interromper pesquisas médicas que custaram centenas de milhões de dólares ao contribuinte brasileiro é, no mínimo, antissocial.

Pode ser lamentável, mas, no Brasil, as leis permitem que animais sejam utilizados como cobaias. Quem não está de acordo deve reclamar no Congresso, botar a boca no trombone, votar conscientemente e exigir mudanças. É assim que se faz dentro das regras democráticas.

Além do prejuízo social que causou, esse episódio fornece mais uma indicação do grau de debilidade em que se encontram as instituições brasileiras. Deixa clara a incapacidade de as autoridades lidarem de forma eficiente com o descontrole social que nos vitima.

Para quem observa o país de fora, a impressão que se tem é que grupos de descontentes decidiram impor sua vontade à força. Confrontam a ordem pública repetida e impunemente.

Parece que o Brasil se transforma lentamente numa terra do cada-um-por-si-e-Deus-por-todos, e que se perdeu a noção de que uma sociedade funcional se baseia em regras, que devem ser observadas por todos os cidadãos, igualmente.

Nossos legisladores, contudo, parecem não pensar assim. Fazem as leis e deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, mas mantêm foro privilegiado. Os tribunais brasileiros, por sua vez, tardam --e, muitas vezes, falham. O Legislativo projeta uma imagem de privilégios e corrupção, e o Judiciário é associado a morosidade e ineficácia.

Quando grupos sociais confrontam a ordem instituída, é porque as pessoas já perderam a confiança nas instituições e passaram a defender seus interesses pela força. Os Legislativos e os Judiciários fingem que não é com eles. Os problemas não se resolvem. A tensão social aumenta.

Tem quem chame isso de "democracia vibrante". Eu prefiro chamar de "democracia autodestrutiva", porque tudo o que vibra demais acaba se rompendo. E, enquanto brigamos, invadimos e roubamos, o futuro de nossos filhos e de nosso país vai sendo entregue aos cães.


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